O GALINHEIRO …
Anda por aí um vírus ditador que me tolhe a liberdade. Farto
de notícias e da dança e contra - dança de informações, a mente foge-me para o
passado. Começo a navegar nas margens da minha sanidade mental e hoje
lembrei-me de um galinheiro. Um galinheiro é uma prisão onde vivem as galinhas
menos afortunadas. Porque as outras, as do campo, têm o sabor da liberdade, a
depenicarem nas couves do vizinho sem ter que comer daquela ração de rápido crescimento.
Pois, realmente a conversa está estranha e só continua a ler quem quiser. Mas, de
facto, há dias lembrei - me de um galinheiro em África na minha Base militar –
Canjadude. Se era um galinheiro especial ?. Era. Mas eu conto:
- O Azevedo era cabo com a especialidade de enfermeiro. Com a
boina às três pancadas na cabeça e os calções da farda a descaírem-lhe no
traseiro, não era propriamente um exemplo de aprumo militar. E tinha a
felicidade infeliz de gostar de vinho. Infeliz porque teve alguns dissabores.
Um enfermeiro embriagado é algo de nada aconselhável para um paciente. Muito
menos em teatro de guerra. Mas aquele ermo de mundo e de solidão convidava à
bebida. E ele emborcava daquele vinho que mais parecia uma purga, fazia um
esgar e lamentava-se:
- Só na minha terra é que bebo do bom …
Mas bebia. Bebia por vezes mais do que a conta, até que o
comandante da Companhia se irritou e um dia, agastado com os vapores alcoólicos
do Azevedo, meteu o dedo indicador à frente do nariz do enfermeiro e rezou-lhe
assim :
- Se voltas a beber
vinho meto-te no galinheiro …
Realmente não disse prisão. Porque presos estávamos nós. Mas
ninguém levou aquilo a sério. Porém, não foi preciso esperar muito tempo para
ver o Azevedo de novo a torcer a voz. Então, deu-se o impensável. O Barros, furioso, pegou no enfermeiro por um braço e
com ele aos zigue – zagues e aos tropeções, meteu - o no galinheiro juntamente
com as galinhas e galos de crista soberba. E nós, graduados, lá fomos pressionar
o capitão como os jogadores de bola que rodeiam o árbitro a contestar um
penalty. Queríamos o Azevedo fora do galinheiro, enquanto o enfermeiro de nariz
vermelho como um pimentão berrava agarrado à rede da cerca:
- Tirem – me daqui ou acham que tenho cara de frango ?
Tirámos. Mas durante cerca de duas horas conviveu com a
população residente, de onde sobressaía um vistoso peru. Então, ofendido com o
comandante da companhia por achar que ele punha em causa a sua competência nas
lides da enfermagem, dizia no refeitório dos soldados e fora de si:
- Quando eu voltar para o Porto, ele vai ver se eu não tiro
logo um curso de Medicina …
Kito Pereira
Impecàvel!!! Timidamente jà te apresentas com nome artistico mas seria melhor assinares com KITO PERRY (como o guitarrista Açoreano dos AEROSMITH).
ResponderEliminarGostei imenso da historia e isso transportou-me para ANGOLA, onde tirei fotos fantàsticas de Galinheiros!! Vou publicar no FB uma foto, onde estou com o LUIS SOARES, no meu quintal, encostados a um galinheiro, pertencente à Familia dos Condes de Foz de Arouce e onde se encontravam Perdizes e Codornizes!!!Grande Abraço!!
BobbyZé, a mudança para Kito é apenas e só uma homenagem ao meu pai que assim me "escrevia", como de resto eu já tinha dito aos meus amigos nas minhas divagações escritas para me entreter e entreter os amigos que querem ler.
EliminarUm abraço
O confinamento e parece que vai ser mais rigoroso e prolongado, obriga-nos a meter a imaginação em trabalhos forçados.
ResponderEliminarE foi assim que este episódio do galinheiro veio à estampa aqui no blogue e ainda bem, porque é um dos momentos com o seu quê de piada que passaste nessa triste guerra na Guiné
Mas pode ter tido um final feliz se o cabo enfermeiro tenha cumprido a promessa de ser médico...
Sabes se o Enfermeiro se formou em medicina, quando regressou ao Porto? Ouvi dizer que ele se tornou enólogo...
ResponderEliminarGostei principalmente de duas passagens: Vocês a pressionarem o Capitão como os jogadores pressionam os árbitros e de não lhe dar voz de prisão porque presos já vocês estavam. Sabes qual era a pena máxima aplicada a um soldado em Timor? Era mandá-lo para a Guiné até ao fim da comissão. (Não estou a mentir, é mesmo verdade).
Grande texto. Abraço.
Lá na base de Canjadude, a rapaziada até lhe chamava o Azebêbado ...
EliminarQue bela estória esta fartei de rir.
ResponderEliminarVou ou vamos aqui estar confinados até dia 8 de Fevereiro e recolher obrigatório às 20h tudo cedinho para a cama.
Um grande texto e Belos comentarios.
Bom Fim de Semana Obrigado
Lucinda, isto por aqui está preto ... 2O OOO infetados em 2 dias ...
EliminarAbraço
Para quem sabe, escrever assim... é canja!
ResponderEliminaruma canja bem quentinha com este frio ... agora marchava ...
EliminarFicarias como um pastor, com o seu canjado.
EliminarQuem sabe se não cumpriu o prometido?!
ResponderEliminarSe aproveitou bem o estágio, terá tirado Veterinária.
EliminarParece que se formou mesmo...mas foi em alcoólicas e bagaceiras ...
EliminarEm vez de cadeiras, fez pipas.
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