terça-feira, 11 de janeiro de 2022

OBRIGADO PROFESSOR ANTONINO ANTONINO - HOJE ESTA CRÓNICA TEM MAIS SENTIDO

 Hoje esta crónica tem mais sentido. 


Muito bem haja e muito obrigado!

Depois de mais uma visita aos vales e montes que me viram nascer, para cumprir mais um dever com os que já partiram, o regresso é sempre uma hora e meia de reflexão sobre o visto, o ouvido e o pensado. Pensámos neles e agradecemos-lhes o muito que nos deram. Por outro lado, o ouvido começou a rodopiar na mente, levando a refletir sobre o bem haja muito ouvido na minha aldeia e, raramente, o obrigado. Veio-me ao vórtice do pensamento a frase várias vezes dita perante um obrigado: ‘Eu não fui obrigado; fiz isso porque quis’, sugerindo o menosprezo desta forma de agradecimento e, até, que poderá ser indelicada. Ora nada é menos verdade do que isso.

Na verdade, em bom português, deve dizer-se obrigado ou obrigada, segundo a pessoa que agradece, incluindo as formas plurais, e não aquele ou aquela a quem se dirige. E a explicação é simples: Obrigado é a forma de agradecimento mais compromissiva, a mais profunda, que cria um vínculo com quem nos fez o favor.

S. Tomás de Aquino elabora, no ato de agradecer, 3 níveis distintos, do mais superficial para o mais profundo. As línguas que melhor conhecemos dão conta desses 3 níveis. 

No primeiro deles encontramos o simples ato de reconhecer que alguém nos fez um favor. Para reconhecer é necessário pensar, razão por que, no inglês, se usa a forma thank, etimologicamente evoluída de think (pensar) e o alemão danke, também verbo evoluído  de denken. Agradecer, neste caso, é reconhecer e pensar em alguém que nos fez o bem.

No nível intermédio temos o desejo de querer bem ao outro que nos fez o favor. Usam estas formas línguas como o castelhano gracias, o francês merci,  o italiano grazie ou o português bem haja. Independentemente das intenções que queremos colocar no ato de agradecer, linguisticamente não estamos a dizer mais do que ‘Desejo que alguém o/a favoreça com  coisas boas (as graças, as mercês, o bem). A forma portuguesa é bem explícita ao usar o conjuntivo presente do verbo ‘haver’ com sentido de’ ter’ e com valor desiderativo: ‘Que tenha bem’. 

No nível mais profundo e mais envolvente da gratidão só conheço uma língua que o verbaliza: o português. Quando dizemos obrigado, na realidade estamos a vincular-nos com uma dívida que fica. No livro do deve e do haver, temos um saldo negativo, uma dívida de gratidão que não precisa de entrar na economia do ‘fazes agora e eu pago-te depois’, pois tão simplesmente a palavra (muito) obrigado é o sinal do reconhecimento pelo favor, o desejo do bem e o garante do compromisso. A forma bem haja, por muito que nos custe, não é tão rica quanto a forma obrigado, apesar do casticismo que acarreta e do sentido de profundo respeito que nós, os beirões, lhe queiramos associar.

Ao nível da pragmática, observamos que é muito frequente aquele menosprezo de que falei, porque alguns falantes distraídos usam obrigado quase como uma simples interjeição, sem as concordâncias e esvaziando-o de sentido (como o inglês thanks), e a existência de uma frase como bem haja/hajam parece-nos ser mais sentida. Um dia poderá ser assim, mas ainda não o é. Por isso, muito obrigado!

Prof. Antonino Silva


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