domingo, 5 de outubro de 2014

RECORDAÇÃO DAS CALDAS ...





Os dedos dormentes ...

Calma, tenham todos muita calma! O preclaro dono desta espécie de jornal de caserna, não precisa de estar já de lápis azul na mão, para omitir o que não interessa. Assumo que não vou cortar nada daquilo que as mentes mais perversas podem estar a pensar. 

Mas porque será que a bonita cidade das Caldas da Rainha, há - de ter um anátema tão pesado em cima?! Olhem, sem querer ofender ninguém, se Vossas Senhorias soubessem muito de História de Portugal, lembravam-se logo da Rainha Dona Leonor, em vez de pensar qual seria o tamanho do menhir que eu traria aqui à estampa.

Tudo mentira. Do que vos venho aqui falar é do Varela, do Neiva, do Ambrósio e de outros artistas de pista, que habitavam o Quartel das Caldas da Rainha.

Um dia, para lá entrei, com meia dúzia de tostões num bolso cosido por dentro do casaco, por causa da gatunagem de caserna. 

Desconfiado, levei um cadeado para fechar o armário, mas cometi um erro elementar: deixei a espingarda no armeiro e roubaram-me os pernes que a articulavam.

Resultado: quando lhe peguei, o canhão derramou-se pelo chão como um baralho de cartas. De rabo para o ar, andei a apanhar a coronha, o cano e aquele mecanismo complexo, de que também fazia parte o gatilho.

Sem o querer, fiz-me larápio de meia - tijela à força. Roubando pernes aqui e ali, reconstruí o fuzil que, milagre dos milagres, até funcionava.

Funcionava tão bem, que ao primeiro tiro para um alvo, na carreira de tiro  da Tornada, deu um “coice” tamanho, que recuei três passos mesmo sem ter vontade e fiquei com um ombro todo dorido. O balázio, em vez de acertar no alvo, subiu em flecha pelos ares, ao que parece sem consequências.

Já não me bastava o martírio de andar a puxar pelas botas que pesavam como chumbo, ainda tinha que aturar um tal Varela, que mandava na Companhia e que falava “axim”. O homem gostava de continências e exigia que lhe fizéssemos a saudação militar mesmo fora do Quartel.

Dizia:

- Na xidade, todo o mancebo tem que me fazer continência, mesmo que eu vá com a minha bixicleta. A bicicleta era a mulher.

Se eu fosse a contabilizar as continências que fiz ao Tenente, estava rico. Até já tinha um calo na testa e os dedos dormentes, de tanta saudação à moda de feijão - verde.

Na pista de exercícios, tínhamos que aturar o Ambrósio. Vaidoso como um pavão, gabava-se do corpo musculado e um dia, ao exemplificar o exercício que tinha uma certa componente de risco, saltou de uma plataforma de três metros de altura, para um poste que tinha uma espécie de galho, onde ele segurava as mãos peludas. Teve azar. Falhou o salto desejado e veio de cabeça a pique, em movimento uniformemente acelerado, até esbarrar no chão com estrondo e inanimado.

Grande reboliço nas hostes e o Ambrósio a ser levado para Lisboa em estado grave. A Companhia, que simpatizava pouco com ele ou mesmo nada, em vez de ficar pesarosa, foi para a caserna e dobrou-se a rir, só de pensar na imagem do militar deitado na cama de um hospital, com a cabeça envolta em ligaduras como um queijo - amanteigado da Serra da Estrela e uma perna em gesso pendurada numa roldana com um peso na ponta. Vingança de mancebos.

Como se já não bastasse,  ainda havia o Neiva. Era furriel nortenho e tinha uma linguagem de catequese, como está bom de ver. Um dia, sendo o almoço batatas com espinhas de peixe, tudo tão seco como as lixas que se vendiam na loja de ferragens do Alírio Costa, a rapaziada queixou-se que o saboroso pitéu não tinha molho. 

Chamámos o Neiva e protestámos. O sargentão miliciano calou-se, pegou na terrina, foi a uma torneira e encheu - a com água e ficou tudo a boiar. Pregou com a baixela no centro da mesa e disse na maior das calmas:

- Reclamação atendida, agora já tem molho …

Ficámos a fixá-lo com um olhar de cólera e o Mimoso, que era do Porto e tinha um feitio nada mimoso, rosnou entre dentes a sentença:

- Quando apanhar lá fora este chavelhudo, em Santa Catarina ou ao pé dos Clérigos, rebento-lhe com o focinho e mato o gajo...

Se o Mimoso o matou, nunca cheguei a saber. Mas não me consta que a fotografia do Neiva, tenha aparecido na página de necrologia do “Comércio do Porto”.
Quito Pereira         

31 comentários:

  1. Tempos passados. Do que vens falar.
    De facto nesse tempo falou-se entre dentes que Portugal tinha tentado pôr um satélite em órbita, só que não sabia que tinha tido partido da base de lançamento da tua espingarda situada na Tornada. Houve muitos que nunca tinham ido à caça, não fomos os únicos.
    Quanto ao Varela conheci outro em Mueda, só não sei o nome mas também era tenente. Mas às vezes a responder-nos com a continência fazia certos gestos. Falá-mos com o comandante do Aeródromo de Nampula responsável pelo norte e ele fez saír à ordem que podíamos andar sem boné pois nessa zona andávamos sempre fardados. Nunca mais fizemos continência a esse "garboso". Com os outros dávamo-nos muito bem. Até iam para o aeródromo à noite.
    Íam aparecendo uns bons meninos que hoje nos trazem recordações e por vezes até nos fazem rir.

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  2. Quito , são 2H30 da manhã e já li o texto.
    Mas já não tenho cabeça (ainda está a remoer o bonito futebol que ambos fomos ver), para analisá-lo e dividir as orações que tivestes com o Varela, Mimoso e o Neiva e as pragas que rogaste de cu pró ar a procurar o que se derramou do canhão da espingarda ....
    Depois, mais logo faço o complemento directo ao texto!
    Até logo!

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    1. Fernando, naturalmente que não tens que me dar justificação nenhuma. Foi um prazer regressar a teu convite ao Cidade de Coimbra. Os nossos companheiros de bancada, que se juntaram a nós, são também pessoas que tu sabes que eu estimo. Pena foi, aquela desastrada exibição da Académica.

      Mais minuto menos minuto, a postagem lá saiu dentro de timing que me pediste. Reforço-te aqui a minha convicção, dita ontem à mesa do café, que o blog é apelativo com uma sequência de fotografias, aliás, têm aparecido belissimas fotos. Eu serei o último moícano que vai escrevendo algo. Como te afirmei, produzir um texto semanalmente não é fácil, pelo meu total amadorismo, pois os profissionais da escrita, esses escrevem todos os dias. Mas contas comigo e eu vou tentando fazer o meu melhor. Contarás sempre com a minha colaboração, enquanto eu puder ...
      Abraço

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    2. Os teus textos são muito bem vindos!Nem só de fotos se alimenta esta espécie de blog!
      A desatrada exibição da Académica...como foi a dividir por nós os dois, custou mmenos a suportar!!!
      Da próxima será melhor!

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  3. Visto assim, o serviço militar até parece divertido. Ou, como diria o Varela, vixto axim...

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    1. O meu se não foi divietido...andou por lá perto!

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    2. Nas Caldas da Rainha, passei bons e menos bons momentos. Mas nada de especial, Num balanço final, direi que passei uma boa semana em Beja. Boa comida e não faziamos rigorosamente nada. Mas Foi sol de pouca dura. Ao fim da semana, vim para Aveiro e fiquei mais perto de Coimbra. Depois, bem, depois começaram as complicações. Voltei a aterrar no Alentejo, mas daquela vez já não gostei da açorda.

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    3. Fora de Coimbra, só estive em Vendas Novas e...com um quarto aligado para alguns fins de semana e restos do dia...
      Santa Margarida em manobras como vagomestre!
      Como não percebia nada de "tropa" nem me quiseram para ir para a India!!!

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  4. Realmente, tu só podias ses vagomestre, pá ! Quando te cheirou a carapaus, bifes da vazia e lagosta suada, meteste logo uma "cunha" para ficar com o lugar. E a partir daí. nunca mais perdeste o apetite ...

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  5. Em conversas de caserna não me pronuncio.
    No meu tempo as mulheres não faziam serviço militar.
    A São Rosas, já toda moderna, percebe do assunto!

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  6. Nem tu imaginas cá uma coisa. O nosso conterrâneo que passou à história com a alcunha de Mata-Frades e para memória tem estátua na Portagem, antes de ser primeiro-ministro de D. Maria II, passou pela justiça e limpou o património da igreja que cobrava os quintos. De Alcobaça sacou os termos de Salir de Matos que têm como primeiro registo de propriedade em 1829 após a revolução liberal, um tal José Maria Sinel de Cordes, avô do chefe do estado-maior do Corpo Expedicionário Português da Grande Guerra 14-18. A casa em 200 anos andou de mão em mão e agora está há quase um século na posse de familiares meus, diga-se sou eu que tenho que manter estas paredes de metro bem conservadas. E é daqui que te deixo este registo do que é hoje Caldas da Rainha.

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  7. Meu Caro Manuel da Cruz

    No meio desta "brincadeira" de tempos militares e remotos, apareces agora tu a dares relevantes indicações de uma cidade onde, embora num período escuro de guerra, gostei de estar. Recordo-me até de ir com alguns camaradas de armas, almoçar a um restaurante que servia muito bem, mas que infelizmente já me fugiu da memória. Tudo o que conto, aconteceu. Por vezes, faço textos mais sérios e sou "acusado" de ser um "cinzentão". Mas não abdico de homenagear aqueles que passaram vidas muito díficeis.

    Noutro registo, não deixei de registar o facto de conservares uma casa que é de teus familiares. Felizmente que ainda vai havendo quem preserve as casas antigas. Como vais passando por este espaço, por certo que reparaste em duas casas preservadas e já centenárias que eu partilhei. Ainda outro pormenor: as pequenas courelas junto à cidade, começam agora de novo a ser cultivadas.

    Estiveram em pousio mas com as dificuldades crescentes, as pessoas de novo estão virar-se para o que tinham abandonado. Uma situação preocupante, é facto da Câmara de Castelo Branco ter vendido a preços simbólicos, terrenos para as empresas se instalarem. Vieram empresas estrangeiras que secaram os arredores da cidade na procura de mão de obra. Muito gente partiu então para a cidade, comprou andares por crédito bancário. Agora as empresas deslocalizaram para outros países e os fabris ficaram desempregados e sem hipótese de solver os seus compromissos bancários, nalguns casos entregando as casas aos bancos. É um sinal destes tempos muito preocupantes que vamos vivendo.
    Um abraço

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  8. Manuel, como isto foi escrito ao correr da pena, noto agora que aqui e ali me repeti. Mas tu entendeste ...

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    1. O restaurante talvez fosse os Queridos, pois não tenho ideia se à época já existia o Cortiço (o célebre do javali).

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    2. Manuel, acendeu-se uma luz na minha memória e esse teu lembre-te faz-me ter a vaga ideia que era os Queridos. Sem ter a certeza absoluta, mas esse nome realmente não me é estranho ...

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  9. Tema interessante mas os homens deste "burgo" é que o entendem e daí resultam estes diálogos engraçados e outros nem tanto....O serviço militar não era pera doce!
    Para mim ter que dar brilho com solarina aos doirados da farda do meu irmão Fernando era obra!!!
    A minha mãe obrigava-me a mim...Coitadinho do menino! E então a minha dura "tropa" foi esta.

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    1. A minha namorada Luisa... tantas vezes me lavou a farda e o equipamento de ginástica, tudo emporcalhado de lama (eu assegurava-lhe que era lama)...

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  10. Realmente, Olinda, havia casos interessantes, mas hoje nem tanto. Detestei para sempre o tal Varela, no dia em que a uma 6ª feira e já com as camionetas de passageiros dentro do Quartel que seguiam para vários destinos (eu vinha na do Porto que parava junto à Estação Nova) com os instruendos na parada já fardados para ir de fim de semana, ele achou que um tinha a barba mal feita e outro as botas mal engraxadas e os proibiu de ir a casa. Uma crueldade! Em Aveiro, já graduado, incumbiam-me por vezes dessa missão, Nunca ninguém lá ficou por eu achar que este ou aquele estava mal fardado ou barbeado. Era repugnante para mim e nem sequer me sentia com legitimidade, para proibir alguém de ir visitar a familia ...

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    1. A tua personalidade é caracterizada por uma bondade enorme e sentido de justiça bem afinado....Não serias capaz disso,eu sei!

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  11. Todos nós, rapaziada dos anos 60, tivemos a nossa "guerra". Uns tiveram muita sorte, outros pouca, outros nenhuma. Começando pelos últimos, refiro-me obviamente aos mortos e feridos estropiados, deixando aqui uma palavra de pesar por todos eles.Os que tiveram pouca sorte são, para mim, todos aqueles que foram mobilizados para as colónias, e aí sofreram, uns muitíssimo, outros muito, outros menos, outros muito pouco e outros nada. Quem por lá passou percebe perfeitamente o que quero dizer e dispenso-me de exemplificar cada uma das situações.
    Mas houve os que tiveram muita sorte, os que não foram mobilizados, entre os quais eu me incluo.
    Por muito pouco de espírito militarista que tivesse, o único inimigo a combater era o calendário. No meu caso, 3 anos e 2 meses.
    Claro que, durante tanto tempo, muitas estórias teríamos para contar, muitos tipos de pessoas conhecemos, muitas amizades criadas mas também muitas razões de queixa de alguns "profissionais" da guerra que se julgavam deuses por terem no ombro mais uma ou duas fitas douradas que o seu semelhante a quem, sempre que podia, faziam a vida negra.
    No meu caso, até nisso tive sorte, os mais graduados eram, na generalidade, pilotos e esses queriam era voar e a nós, cá em baixo, competia-nos olhar pela sua segurança. Logo, o ambiente era propicio a uma sã camaradagem.
    A excepção era a PA (Policia aérea) que, vindos do Exército, tinha uma espécie de dor de cotovelo por algumas prerrogativas que tínhamos em relação a eles.
    Tudo isto, para chegar onde quero!
    Na recruta, passei 11 meses que foram durinhos. Um desses meses, pareceu tropa a sério! Saímos da Base Aérea (OTA) e depois de uma caminhada de alguns 40 quilómetros, carregados com quanta tralha se pode imaginar, fomos para o Pinhal de Azambuja acampar como se fossemos para um acampamento de um qualquer canto africano. Rações de combate, 1 litro de água por dia para beber e para a higiene, ou falta dela, latas de conserva ao pequeno almoço, almoço e jantar. Uma vez, para dar mesmo ar de coisa séria, passou uma avioneta, julgo que era uma Dornier, e largou, em voo rasante, uns caixotes sobre o acampamento. Estouraram com o impacto no solo e andamos a comer frango de churrasco com terra durante todo o dia. E estava bem bom!
    Nesse acampamento "perdi" o tapa-bocas da minha espingarda, a velha Mauser, e fiquei aflito. O pior que podia acontecer era deixar roubar material de guerra e aquele bocadinho de metal, parecido com um dedal , que encaixava na boca da espingarda para impedir a entrada de poeira, era considerado "material de guerra".
    Cada "barraca" tinha quatro alunos, era isso que nos chamavam, e as quatro espingardas ficavam "ensarilhadas" à porta da tenda. Este "ensarilhadas", se não é este o termo é parecido, consistia em encostar as quatro armas de forma a ficarem todas em pé, quietas e sossegadas para a "luta" do dia seguinte, ou durante a noite, se o inimigo atacasse...
    Dei o alarme à malta da minha maior confiança. "Eh pá, lixaram-me o "tapa-bocas", sussurrei a três ou quatro ouvidos.
    Na manhã seguinte, enquanto esfregava a cara com o algodão molhado na água para a "lavar", foram chegando um, dois, três "tapa-bocas".
    Era assim. A solidariedade, injusta para os três camaradas que "perderam" os seus "tapa-bocas".
    Lá fui olhando de soslaio até descobrir dois com espingardas a faltar-lhes a cobiçada peça, deilhes uma explicação sim, que eu tinha achado aquele "tapa-bocas".
    Mas uma coisa vos confesso, não procurei o terceiro que "perdeu" o seu.
    Dessa noite em diante, as espingardas ficaram "ensarilhadas" mas cada um de nós metia o precioso apêndice no bolso da farda com que dormia.
    À cautela...

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    1. O nosso amigo Pedro Martins fez parte deste acampamento e não só...
      Ele também "perdeu" uma peça não da arma mas da farda, e conseguiu recuperá-la pelo mesmo sistema solidário.
      E ele recuperou com vantagens. Ele que conte se lhe apetecer, eu vou-lhe pedir-lhe..

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    2. Érrata - pedir e não pedir-lhe.
      Já não estou habituado a estes turnos. Só o Chico Torreira é que me compreende.

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    3. Dedal?! Mas vocês fizeram tropa de corte e costura?!

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    4. Sãozita, bem te podes rir...
      Mas não conheceste umas enfermeiras para-quedistas que eram um espanto, no ar e em terra!

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    5. Respondo eu!
      Vianita... em ar e enterra?!

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  12. Afinal, neste dia agreste e chuvoso, cá nos juntámos à volta da fogueira. Surpreendeu-me um pouco, o amigo Carlos Viana aparecer nesta postagem e logo com uma longa e interessante viagem ao passado. A surpresa é que a vida militar é um tema mais ou menos proscrito. Sei que o Viana, não é particularmente apologista deste tipo de narrativa, envolvendo armas. Foi, de facto, um período muito pouco simpático das nossas vidas. Mas dela se tiram ilações e por vezes até momentos jocosos, E amizades duradouras.

    A guerra teve vitimas. Compatriotas nossos. Uma vez por outra, falarei deles. É uma forma de os homenagear. Quem deu o bem mais precioso que tinha - a vida - não poderá jamais ser ignorado. Mas também nunca será um doentio repisar de passado. Para tudo, uma dose certa. Como nos cozinhados ....
    Um abraço a todos e neste particular ao Carlos Viana. Aquela dos frangos, fez-me rir com vontade ...

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  13. Quito, meu querido amigo, quero que fique bem claro o seguinte:
    Tu e o nosso amigo Rui Felício escreveram bastante sobre o tema África. Nunca vi nos vossos textos nada de ofensivo para as populações africanas, bem pelo contrário, sempre vi o respeito que é devido à cultura de cada povo.
    A ideia que tens de que sou um pouco "avesso" a estas conversas, vem do facto de um ou outro comentário, nessas vossas postagens, me irritar e, como sabes, não mando recado por ninguém...
    Recordo-me bem de ter chamado a alguém "Rambo dos anos 60" e outros mimos no género.
    Também me recordo de ter sido "obrigado" a lembrar alguém, que nós é que éramos os colonizadores, que os nativos defendiam as sua terra natal e que se havia terroristas naqueles territórios, esses terroristas eram os portugueses.
    Claro que esta verdade histórica ninguém gosta de ouvir mas é a verdade.
    Quando falas das amizades, das cumplicidades, como eu te entendo! Como eu gostava de reencontrar os camaradas que fizeram o curso na OTA comigo! E porquê estes? Porque foram os companheiros da fase mais difícil e, portanto, onde a solidariedade mais vinha à tona do ser. E quantos episódios, verdadeiramente anedóticos, se passaram e que ficam na memória para todo o sempre!.
    Há um companheiro desta espécie de blogue que, quanto a este tema, tinha uma posição muito curiosa. Dizia ele que tinha posto um grande calhau sobre o assunto e que estava o caso arrumado. Comentei que era o mesmo que utilizar uma panela de pressão, se acumulasse pressão demasiada podia explodir. Isto porque me parece positivo para a saúde mental, sobretudo daqueles que estiveram em África, falar sobre o assunto de uma forma saudável que tem de começar pelo respeito ao povo que fizemos sofrer, por nossa iniciativa. No nosso cadastro temos muitos milhares de mortes (não há contabilidade séria sobre o assunto) e que utilizamos como escravos durante a ocupação e até à revolta que teria de surgir, mais tarde ou mais cedo,
    Quando falo em "nós" estou, obviamente, a falar do Estado Português salazarento e nem a "primavera marcelista" teve o discernimento de perceber que nunca poderíamos vencer aquela guerra. Teve de vir o Spínola, com o seu "Portugal e o Futuro", explicar que a guerra no terreno estava perdida. Havia que negociar..
    Claro que breve se percebeu que ele só queria mudar as moscas...
    Pronto. Vou ficar por aqui, Se me dás corda...
    Aquele abraço.

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  14. Na verdade, meu caro Viana, dos vários textos que fiz sobre África, apenas num ou noutro falei da guerra crua. Mas quando os fiz, subjacente a esse facto, havia sempre uma qualquer mensagem.

    Sempre respeitei os africanos com quem vivi 28 meses. E no dia em que, por imposição superior, me travestiram de professor na escola de Canjadude, a ensinar os putos a ler e a escrever, sem eu ter preparação para tal, compreendi que estava a fazer a paz e não a guerra.

    Tenho um texto "violento" de homenagem a um militar - Manuel do Carmo. Um dia, o invocarei. Um dos muitos anónimos que foram vitimas de quem quis contrariar os ventos da História.

    Fico-me por aqui. A conversa vai longa ... e interessante, apesar do tema ser tão cinzento.
    Abraço

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