quinta-feira, 23 de outubro de 2014

RIO DE OUTONO ...




Rio Ocreza ...

Regressaram os dias de Outono. Há um verão que partiu, despedindo-se de forma molhada. São lágrimas de despedida, de um até breve no ciclo milenar da Vida. Hoje, porém, o dia nasceu ameno. Um céu azul, pintado de castelos de nuvens brancas, que pairam quase estáticas por cima da Serra do Moradal.

Percorro os caminhos deste infinito feito de xisto e granito. Há um cheiro a terra prenhe de água. O seu sustento. O ar límpido, realça os contra – fortes das serras. Tudo parece mais nítido e mais próximo. Daqui, deste largo que leva aos caminhos do Campo Santo, diviso os telhados do casario de Ninho do Açor. Uns, mais claros. Outros, mais escuros. Ancorados, na sua roupagem de lâminas de xisto sobrepostas, resistem ao Tempo, recusando a bandeira da rendição plena.

São dias de ternura estes, em que o sol banha esta Beira das paisagens deslumbrantes. Agora que as cegonhas partiram, é o planar vigilante das águias em voo circular, que tomam conta da campina e da montanha.

Também os sinos das povoações desta cintura de pedra, se fazem ouvir. Os sinos são a voz do povo. Do povo crente. Mas também daqueles que, menos familiarizados com os Mistérios do Divino, olham o fiel relógio de bolso. O badalar compassado das horas, é a batuta porque se rege a dura labuta de sobreviver.

Lá em baixo, por entre margens apertadas, oiço um murmúrio. É o Ocreza a soluçar. A água que comporta no seu leito, ainda não saltita de fraga em fraga. Mas breve, muito breve, a chuva generosa fará a sua aparição em pleno. E ele, o rio, cantará loas de agradecimento pela dádiva dos céus. E os povos, agradecerão o caudal que o rio lhes oferecerá, a seiva das terras de cultivo.

Nas igrejas, as gentes destas terras perdidas na vastidão dos séculos, rezarão em uníssono, num clamor que ecoa pela pedra nua do Templos. Para eles, ajoelhados em oração na laje fria, tudo tem uma explicação Divina. Mesmo o desejado regresso do seu Rio de Outono.
Quito Pereira            

19 comentários:

  1. Bonito texto, amigo Quito, cheio de sentimento !
    Sabes que nem sempre comento, mas leio e gostoooooo !
    Beijoca

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  2. Obrigado, Olguita, pelas palavras amáveis. Um abraço para ti e outro ao meu bom amigo Carlos Viana ...

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  3. Será que a queimadura no braço também tem uma explicação divina?
    O ar límpido realça os contra-fortes das serras e eu digo que: O texto límpido realça a beleza da tua escrita!...

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  4. Obrigado Alfredo, pelo teu comentário amigo. Para ti e Daizy, vai o meu abraço . Até breve ...

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  5. Boa escrita.
    Assim gosto.

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    1. Menino enganei-me com a nova maneira de se postar como anónimo como é pedido para se por uns números eu pensei que não era preciso por o nome.
      O Quito já tratou do assunto disse que tinha sido eu a comentar.
      Tonito

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  6. António, esta mensagem é tua e já sei que o teu pc anda louco. Toma lá um abraço e atá breve ...

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  7. Quando leio "Ancorados, na sua roupagem de lâminas de xisto sobrepostas" e após a vírgula, "recusando a bandeira da rendição plena.", não posso deixar de admirar o carinho que pões naquilo que nos transmites, Quito. É como um calmante para o cérebro que tenta absorver toda a suavidade artigo. Bem hajas pelo que nos tens oferecido.

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    1. Um abraço a voar para o Canadá, envolvendo-te a ti as tuas duas pérolas ...
      Abraço

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    2. "Comi" um "e" no cometário anterior, mas percebeste Chico, que é um abraço direitinho igualmente a tua mulher e filha ...

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    3. Percebi pefeitamente, Quito. Incapaz de pensar outra coisa.:)

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  8. Em qualquer estação do ano o teu Ocreza tem a beleza que o teu cunho na escrita lhe imprime!
    Um abraço, Quito.

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    1. Um abraço, Celeste, já deste lado da montanha. Igualmente para o Fernando ...

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  9. Pois é Quito. Deopois daqueles dias de dona(o) de casa de avental de cozinha, com arroz saltitante, com quiemadura de 0,0001% do corpo, tiveste que regressar para tratar das tuas feridas culinárias e claro daquela marca do fogão em azáfama frenética de um almocito que à falta de uns ovos mexidos, tiveste que suportar. A São foi compreensiva...e lá encostaste a tua cabecinha em ombro amigo!
    Mas tudo já passou.
    Refeito, calmo, sereno, olhando o Ocresa escreveste mais este maginifico texto a que o JF não dá a devida importância...talvez por culpa tua!
    Um abraço rapaz!

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    1. De certeza que a culpa é do Quito. Ele mais o seu excesso de modéstia lixam tudo, c'um carais...

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    2. Fernandito, andas a dizer mal dos meus dotes culinários e ainda hás de ir lá a casa provar um pitéu que faço muito bem: batatas fritas de pacote, acompanhadas de uma lata de atum.Pelo menos não me queimo ...posso é ferir-me a abrir a lata e ter que ir aos HUC coser os dedos ...

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    3. Sãozita, não sejas assim "pramim". O JF é um bastião de intelectuais, não é para "ventres ao sol" como eu. Mas já tive a honra de por lá andar e ...a ti devo ...

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  10. Que Deus não despreze o Ocresa... Pressinto uma dor infinita na tua alma de crente!
    Ora com com convicção e o milagre acontecerá tal os teus famosos cozinhados.
    Quito de Deus, não deprimes pois hoje achei-te muito triste antevendo uma morte anunciada desse rio que todos daí amam....Concluo que cozinhar não te agrada tal como a mim e a neura instala-se...Compreendo-te,amigo!

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  11. Da mesma forma que o pintor vai dando cor e vida à sua tela, também tu nos vais dando o colorido, a vida em movimento que é a natureza.
    Continua a dar-nos o prazer da tua escrita escorreita e recheada de sentimentos.
    Aquele abraço.

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