segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

A BATALHA DAS CALDAS ...







 Vamos comê - los de cabidela ...

Eu já tinha idade para ter juízo. Mas é que tinha mesmo ! Contam-se talvez pelos dedos das mãos, as vezes que depois da final do Jamor de 2012, fui ao Estádio Cidade de Coimbra ver a Académica jogar. Tenho- me reservado a olhar de longe o descalabro da epopeia academista. Mas, na semana passada, um familiar que por acaso nasceu cá em casa, telefonou - me e intimando- me a comparecer nas Caldas da Rainha, para um jogo de futebol da Taça de Portugal, com um grupo de rapazes amadores lá da terra, que trabalham de dia e treinam de noite, a troco de 150 euros mensais.

- Óh pai, vamos comer os tipos de cabidela, que os gajos jogam na 3ª divisão e andam mal classificados na tabela – dizia-me ele a salivar... até te ofereço o bilhete...

Fui. Meti- me no meu novo Maria Mercedes que me dá muito gozo conduzir e com a minha companheira a abarrotar de paciência com aquela minha súbita paixão clubista, lá partimos para a batalha das Caldas, sem mouros à vista.

Chegámos às Caldas a meio da manhã. Um tempo ameno, um passeio no parque da cidade a olhar os patos multicolores a deslizar pelo lago cheios de peneiras, uma visita a um urinol manhoso no meio da mata com a bexiga a rebentar, e um chá quente tomado numa esplanada ao ar livre, para aliviar o raio de uma tosse de cão que não me deslarga (gosto deste termo). Depois chegou o tal que nasceu lá em casa acompanhado de um amigo, o que quer dizer que lá tive que pagar mais dois almoços.

Depois partimos rumo ao pequeno estádio da Mata Real. Menos a minha companheira que, bem mais inteligente que nós, preferiu ver montras do comércio local.

O estádio é pequenino e estava a abarrotar de gente. Os vindos de Coimbra e de outros lados do país, a afiar as facas para degolar um bando de passarinhos. Os de lá, meios calados e a rezar o Terço, na esperança de não levarem uma abada. Depois foi o que se viu. Os amadores das Caldas arregaçaram as mangas e ao biqueiro para a frente, tiveram a sorte de, ao menos por uma vez, ter acertado em cheio na bola de coiro (também gosto deste termo) e pimba … grande golo com os de Coimbra calados e a pensar que o primeiro milho é para os pardais. Depois nervos à flor da pele, expulsões, mais chutões para o ar e caneladas à mistura e ó milagre dos milagres, então não é que a turma de Coimbra com pouco jeito para jogar à bola, até conseguiu marcar também um golinho ?! Agora é que vai ser – rangia os dentes a rapaziada afeta a Coimbra com esperança renascida e sedenta de vingança. Mas se lá dentro o jogo estava “quente”, ao redor do campo a malta das duas claques portava-se na afinação. Nessa altura, enquanto ia espirrando e tossindo encostado a um muro, eu já estava mais fixado nas reações ao prélio do maralhal de Coimbra de todas as idades, do que propriamente nos biqueiros e pontapés para a frente daquele jogo entre casados e solteiros. Fomos aos penaltis e perdemos. E perdemos bem. 

Fiquei a olhar aquela explosão de alegria dos da casa e bati-lhes as palmas que mereciam. Então, alguém reconhecido pelo seu gabarito académico e de boina preta na cabeça, passou por mim com os olhos injetados de sangue e vociferou como se eu tivesse alguma culpa da tragédia: Isto é uma vergonha !!!

Os das Caldas ficaram a festejar. Os nossos, com grande melão, regressaram a Coimbra. Cá por mim, dilacerado pelo desgosto da derrota e a chorar convulsivamente, fui refugiar-me no Vila Galé da Ericeira a abarrotar de clientes, a olhar o mar bruto a bater nas rochas e a fazer Votos de Clausura até porque chovia a cântaros. Desci ao bar, lembrei a amena conversa que uns tempos antes ali tinha tido com o meu distinto amigo Rui Felício e fiquei a beber mais um chá quente para aliviar a gripe e a olhar para um grupo de portistas, que na TV seguiam um jogo entre o Paços de Ferreira e súbditos do Senhor Dom Jorge Nuno Pinto da Costa. Em determinado momento, os da capital dos móveis marcaram naquela altura um golo aos azuis e empataram o match. Foi então que um tipo grande e de acentuado sotaque nortenho, se levantou irado com a sua equipa e vociferou de cabeça perdida e  para quem o quis ouvir:

- Quem vos metesse uma espinha de raia nesses cus grandes e gordos  !!!!

Em silêncio, enquanto beberricava o meu chá de Camomila e a poucas horas de ter perdido o jogo nas Caldas, fiquei a meditar naquela pérola de comentário portista e a pensar no que diria eu ao pouco brioso grupo de rapazes da Académica, atendendo a que tinham perdido nas Caldas da sua famosa loiça. Mas claro que não digo, porque respeito ao máximo a nossa camisola negra e os nossos atletas. Também porque sou um rapaz que tive uma educação espartana num colégio de freiras na Suiça e tirei com raro brilhantismo e para quem não o saiba, um esforçado doutoramento em Catequese, com Louvor e Distinção, pela Igreja de São José do Calhabé, no tempo do saudoso e filantropo padre Aníbal …
Quito Pereira     



6 comentários:

  1. Porra! Jà è noite e nem sequer hà um comentàrio para esta excelente e tradicional prosa! Isto da terceira e quarta idade é assim! Ontem andaram até às tantas a tentarem enganar-se a si proprios, pois os mecanismos jà andam um pouco gripados e hoje, a estas horas, tà tudo de molho! Deitei-me às 4 da matina e às 10 jà estava fixe para um pequeno almoço meio Alsaciano e Português (Pao de Lo)!!!Ontem éramos 5 casais. Ostras e Foie Gras au programme como entrada! Depois, um Javali bem tenrinho!!Uma forma de vingança! Vinho de Bordéus e da Alsàcia, porque o Portugês està carissimo!!! Agora li e adorei este conto. Imagino o regresso das Caldas para Castelo Branco!!!Ias amarelo, Quito!! Grande Abraço e BOM 2018!

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  2. Ò Quito! O que vieste reavivar. Eu que já estava conformado com tamanha desilusão
    tenho agora que levar com todas as tuas agruras, o teu desespero do teu filho te ter obrigado a ir às compras às Caldas e a ver tão humilhante resultado para a BRIOSA! Pior fui eu que me fartei de andar às voltas na MATA e acabei por ficar sentado entre a claque do Caldas, e engolir em seco o golo que marcaram logo de início...com tamanha facilidade que fiquei logo com o resultado final quase decidido!
    Na segunda parte mais uma volta na Mata e l´dei com a porta para junto dos adeptos da Académica, já com a esperança renovada numa possivel vitória, para mais "eles os das Caldas" tinham um jogador a menos.Mas eram rapazes que souberam respeitar a táctica inteligente e lá foram para prolongamento e penáltis! Logo nos dois remates dos 11 metros por cima da baliza a sentença ficou dada!
    Valentes jogadores da camisola preta! Mereceram ganhar porque souberam treinar bem as grandes penalidades!
    E depois foi correr para Coimbra a tem po de seguir para Carregal do Sal para depois de ter viso "Os miseráveis" pontapés na bola ir assistir ao MUSICAL "Os Miseráveis" numa brilhante produção do nosso vizinho dos nossos vizinhos do Bairro Tó Leal e Sandra Viegas apoiados pela Fundação Lapa do Lobo.
    Só agora estou por aqui porque tenho estado a fazer a digestão de um excelente almoço da Familia Rafael-tradição do 1º dia de cada ano- no restaurante 5 estrelas EVARISTO em Condeixa!

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  3. Pois Fernando, lá fui para as Caldas empurrado. Há muitos anos que não ia lá, mas ali estive 3 meses na tropa. Naquela época, fui muito bem recebido pela população e no sábado voltei a ter o cheiro dessa cordialidade. Pessoas simpáticas e amáveis. Até no futebol, onde podia ver clubites agressivas, o que encontrei foi gente educada. Até um medicamento para os brònquios que eu trazia no bolso e detetado na revista de segurança à entrada do estádio, o o polícia em tom jocoso e cordial disse-me " não atire com isso à cabeça do árbitro que pode fazer-lhe falta". E rimos os dois. Depois não sei se ouviste a saudação pela instalação do estádio a todos quantos vieram de Coimbra. Gesto nobre de quem sabe receber. O que se viu na Mata Real foi um jogo genuíno, puro como água cristalina, sem subornos, e - mails manhosos de que é feito um espetáculo que é hoje e face ao dinheiro envolvido uma gigantesca fraude. Por isso me deu gozo ver aquele jogo num campo pequeno e cheio de entusiasmo de antagonistas que se respeitaram. Ganhou um grupo amador de jogadores ali da região, que juntam 150 euros mensais ao seu salário dos lugares onde trabalham. Mereceram ganhar e a alegria do rato que enganou o gato valeu o jogo. Passeei era já noite e vi uma cidade viva, centenas e centenas de pessoas, lojas abertas a vender e ainda a alegria das iluminações de Natal. Depois fui para o meu "refúgio" da Ericeira no Vila Galé. O mar bravo a embater nas rochas com estrondo, é um espetáculo melhor que o pontapé na bola. Apesar daquela derrota rídicula, o saldo foi muito positivo. Caldas foi licão de receber. Aos jogadores da Académica fica a lição que a soberba é má companheira por mais humilde que seja o adversário.
    Uma última reflexão: Porque é que a "Baixa" da cidade das Caldas da Rainha tinha tanta gente e ali se respira VIDA e a nossa "Baixa" Coimbrã morre de dia para dia? Que fenómeno será este ? Um mistério.
    Um abraço Fernando e Bom Ano !

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  4. Sim, também fui a reboque de um entusiasmo familiar. Fui equipada com um cachecol preto e respetivo emblema da Académica.
    Assim me mantive,ufana, orgulhosa num resultado favorável.
    Enquanto tomava um chá com a São íamos esmorecendo com os contactos telefónicos...
    Mais um prolongamento?!
    Mais penaltis?!
    Oh! E perderam!!!
    Valeu o passeio e a conversa.

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  5. Bom texto Quito. Deixa que te lembre que o Caldas esteve na primeira divisão até final dos anos 50 do século passado. E o último jogo que fizeram na 1ª foi no Calhabé, decisivo para os dois clubes. A Académica venceu por 6-0 com 4 golos do Chipenda. E eu como sempre a assistir naquela espécie de bancada central, do lado da igreja então nova... Foi preciso mais de meio século para que se desforrassem!

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  6. Que pouca "bergonha" pois também gosto desta palavra, falta de respeito: quem costumava fazer longos comentários, era eu. Isto não falando na derrota.
    Pois, estava muito bem a descansar e ouvi a Lucinda a rir, rir, rir... que até sabe bem e lá vim ver o que era. Continuei e lembrou-me das fotos do Quito a chorar quando se ganhou a última taça. Francamente foi um desaire mas a AAC tem muitos anos à frente para dar ainda bons momentos aos seus adeptos.
    Obrigado pelo texto.
    Académica sempre.
    Abraço.

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