Ontem, vi o Avelino. Passou por mim, mas não me reconheceu.
Mas garanto que era ele. Ali, naquela avenida da cidade, de camisa preta e pasta
na mão. Costuma usar outra indumentária, quando espreito pela frincha da porta
da capela e o vejo de braços abertos, a pregar a Palavra Do Senhor. Por vezes,
também o encontro na missa dos casamentos e funerais. Faz sempre umas homilias
monocórdicas e repetitivas. Um teste à paciência de um cristão. Recordo a sua
voz sibilina, ampliada pelo microfone que o faz ouvir em todo o Templo. Depois
a palavra liquida, que lhe brota aos tropeções dos lábios salivosos. E uma
dicção pastosa e embrulhada, que lhe sai sumida do fundo da garganta. Mas os
paroquianos ouvem, em contido silêncio. Depois, é tempo de reflexão. O povo da região
gosta dele. Porque o Avelino – o senhor padre Avelino - é boa pessoa, no seu
porte baixo e atarracado. A todos saúda, com a “riqueza” da Palavra de Deus. E
lá parte no seu pequeno carro, afundado no banco, de cabeça erguida, tentando
descodificar as curvas da estrada, na férrea convicção da Protecção Divina.
Ontem, vi o Carlos. Estava sentado numa curva da solidão.
Tinha o dedo polegar orientado para poente e reconheceu-me. Queria uma boleia
para a Lameirinha. Sentou-se ao meu lado, balançando o corpo para a direita e
para a esquerda, ao ritmo dos caprichos da estrada. Mas nada disse. Apenas
agradeceu o transporte e pediu-me dinheiro para cigarros. Olhei o fundo do bolso
e dei-lhe uma moeda. Voltou a agradecer e remeteu-se ao silêncio. Nestes Lugares,
as palavras sobram. A dureza do granito, manietou - lhes a vida. Mas
acompanhou-me até à porta da taberna, como se fosse um mestre – de -
cerimónias. Depois, fez uma vénia e partiu.
Ontem, vi o João. Estava colado a uma parede, junto à porta
suja da venda. Tinha as mãos atrás das costas e a cabeça erguida, tentando
apurar o ouvido. A visão, desde criança que a não tem. Lá dentro – lá dentro da
venda – apenas um raio de luz, coado pela cortina amarela e gasta pelo Tempo. E
um banco de madeira singelo, a acusar o uso. É ali, que um ou outro idoso se
senta, de boné na cabeça, soletrando com dificuldade as notícias de um qualquer
jornal regional, de semanas passadas. A torneira da pia de lavar a louça, vai
deitando uma pinga de água impertinente. Uma amálgama de copos velhos e baços,
repousam no fundo de um alguidar. O balcão, escuro e tosco, é de granito. O
granito que lhes tolheu os sonhos. Testemunha muda dos desencantos da vida,
afogados num copo de vinho. E o silêncio. Sempre o silêncio.
Ontem, vi o Calmeiro.
Quito Pereira
É sempre bom sair e ver gente conhecida!... O Calmeiro ia tão apressado que nem deu para lhe fazer a folha!... O que mais me admira é teres visto tanta gente e não teres visto o Fernando Rafael que anda sempre na rua!...
ResponderEliminarPois mas o Fernando não anda por essas terras do granito...
EliminarMas não tarda que qualquer dia um texto aparecerá por aqui a dizer que me viu colado à parede do CNM...
Estás mórbido, Rafael ! Temos que ir ao leitão a ver se te animas !
EliminarMeu querido Dom Fernando Rafael, sabes bem que todos nós e eu em especial, desejamos ver-te a passear pelas ruas do Bairro e da cidade. Isso só te faz bem à saúde. Tomara eu ter essa força de vontade que quando me levanto da cadeira em frente ao computador é para me sentar no banco do automóvel ou para estender o pijama... Continua assim e não ligues às minhas bocas, falo por inveja!... E tem mais, estás a fotografar com muita qualidade, não te esqueças de levar a máquina sempre que sais...
EliminarLi até ao fim à espera de confirmar que ontem também me tinhas visto...
ResponderEliminarA mim sabia que não me tinhas visto mas não veres o Rafael, também fiquei admirado.
ResponderEliminarAbraço.
Também durante sábado e grande parte de domingo também não me vêm por aqui...vou para caminhadas e festa do fumeiro em Penamacor.
EliminarAté domingo à noite...!
Bom fim de semana
...mas hoje já me viu! Estivemos juntos mais as nossas Marias na Fundação Beatriz Santos na assinatura de um Protocolo ente a Fundação e o CNM, o qual dá descontos de 10% aos sócios de CNM nos serviços aos idosos(e não só) e lá estava o PAI Agostinho de Deus Pereira sócio nº 1 do CNM a ser o primeiro beneficiário desta parceria.
ResponderEliminarVai sair reportagem sobre este acontecimento:
Vou esperar pela reportagem para comentar. Entretanto, recebi as fotografias que me mandaste e agradeço ...
EliminarPois Quito destas estórias quantas não tens mais para contar deste teu desterro por estas terras do granito...
ResponderEliminarNo presente o granito por estas bandas já não vai tolhendo muitos mais sonhos, pela simples razão que poucos por lá irão ficando. Nem tu para os contar...
A Beira Baixa, tem muitos pólos universitários. O drama é que quem ali se forma demanda o litoral. A Beira forma-os e eles partem. Basta ler o Jornal do Fundão para se perceber este fenómeno. Por mim, parti e fiquei, pois por um blogue de um amigo meu do Salgueiro, vou estando ao corrente do que se passa por lá. Foram mais de 3 décadas e há sempre uma semente de nostalgia que fica, naquelas montanhas que encerram tantas perplexidades e mistérios . No interior, sempre senti entre os habitantes das aldeias ou citadinos, um espírito de união de quem vive longe dos grandes centros de decisão. Mas vivem felizes e resistem, porque o granito moldou-lhes o caráter.
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