Meu
Caro Comandante
Ontem, gozando a noite fresca mas acolhedora da sua
cidade, no meio de uma multidão que se passeava por entre esplanadas a
abarrotar de gente a jantar em ar festivo, parei junto ao Mercado de Escravos,
ali a um passo do seu antigo Quartel dos Bombeiros Voluntários de Lagos.
Hoje, para seu contento, posso dizer-lhe que os seus
soldados da paz têm outro aquartelamento na parte alta da cidade. Um local
amplo e estou certo que esta novidade o fará sorrir de satisfação. Como sei que
gostará de saber que o velho quartel no coração da cidade, é hoje uma loja de
três andares, onde poderá adquirir artesanato no primeiro andar, subir à
biblioteca no segundo andar e sentar-se no terraço do terceiro andar, onde
poderá tomar uma bebida e olhar o sino iluminado da Igreja de Santo António. E
foi lá, que o recordei e lembrei as
tardes amenas na Quinta do Sargaçal, os almoços debaixo do caramanchão, as
anedotas bárbaras e por vezes até brejeiras contadas em surdina.
Voltando à biblioteca do seu quartel onde tanto
trabalhou em prol dos outros, é meu prazer confidenciar-lhe que a pequena divisão
está muito bem aproveitada e de muito bom gosto. Há um equilíbrio entre os
livros bem expostos, um velho gramofone que dá um toque de singularidade ao
espaço e uma velha máquina de escrever muito antiga, porventura igual à Remington
negra onde o seu conterrâneo médico, diplomata e escritor Júlio Dantas,
construía as palavras de forma sábia, o que lhe valeu estar entre os eleitos da
literatura portuguesa. Também o Comandante Manuel da Glória não passou pela
vida de forma anónima. As gentes da sua terra, souberam reconhecer-lhe o mérito.
Interventivo que foi como vereador da Câmara, cidadão impar, recebeu a medalha
de ouro de serviços distintos, para mais tarde ter nome de rua na cidade.
Quero acreditar, meu caro Manuel da Glória, que vai
ler esta carta. Como quero convencer-me que de novo estará junto da mulher da
sua vida – a Dona Maria Eduarda - que de idade muito avançada e sem poder
sobreviver sozinha, partiu para o Brasil para junto do vosso filho, deixando
para trás e para sempre a cidade que tanto amava – Lagos. São os dramas da
nossa existência terrena. Mas como na Vida Etérea não há Espaço nem Tempo,
jamais a vastidão de um mar largo ousará separar-vos. Um dia, talvez um dia, eu
vá visitá-lo ao Campo Santo desta cidade que também é um pouco minha. Mas não
espere que lhe reze uma oração. Conhecê-lo como o conheci, vou antes contar-lhe
a última anedota que o Marcelo me contou em casa do meu primo António Vermelho,
à volta de uma mesa a comer uns belos carapaus alimados e um vinho tinto a
gosto. E o Comandante do lado de lá e eu do lado de cá, vamos rir com prazer.
Até ao dia em que nos voltemos a reencontrar debaixo do caramanchão onde a
velha inglesa tomava chá na Quinta da Sargaçal, que para ambos foi de tão boa
memória.
O Seu Amigo de Sempre
Quito Pereira
Cidade de Lagos, 18 de Agosto de 2017
Uma carta aberta em excelente texto, das memórias de Quito por terras de Lagos.
ResponderEliminarSão amigos especiais De Manuel da Glória e doutros amigos em postagens anteriores que têm saído magníficos textos
...como por exemplo este ainda não há muito tempo...
ResponderEliminarpalavras cruzadas
...ou este de 2010
ResponderEliminarLagos
Estou convencido que esta carta mesmo aberta, chegou ao destino.
ResponderEliminarAbraço.