quarta-feira, 25 de abril de 2018

AS PÁGINAS DE UM TEMPO ...





 António Vaz, exemplar cidadão ...

O céu deu uma trégua, nesta primavera molhada. Por isso, parti. Parti à desfilada por essas estradas do interior de Portugal. Olhei as florestas que já não existem. Mas vi os campos a convalescer da tragédia, num verde primaveril. Um hino ao renascer da vida.

Aqui e ali, também as casas devastadas pela desgraça, voltam a erguer-se pelo esforço dos homens no refazer da vida. Reparo, neste ou naquele local, a azáfama da gente laboriosa que, pendurada em bancos ou em escadotes, pinta as fachadas das casas de um branco imaculado, ou vão refazendo telhados degradados, alindando o rosto dos novos lares com fé no presente e no futuro.

Chegar a tempo de cumprimentar amigos. De falar da bela Itália e do pandemónio do trânsito em Verona.  Depois, reiniciar a caminhada pelos campos da uma Beira esquecida. Olhar paisagens familiares e, lá longe, a Serra da Estrela ainda agasalhada no seu manto branco, a querer resguardar-se dos rigores invernais que já partiram, na mais apetecida montanha em horas de lazer, entre farrapos de neve silenciosa, num recanto de paz.

Por uma estrada estreita segui. Olhei a casa do Eduardo de janelas fechadas. A moradia do Prata, plantada no meio do nada. Numa curva, a estrada desce e ali, deparamos com o casario de Juncal do Campo.

Nada mudou. O casarão amarelo do Real que já partiu. A paragem do autocarro, com o seu banco de madeira e telhado de zinco. E aqueles que vivem nas proximidades e que na proteção da sombra acolhedora, procuram alguma novidade que sacuda o marasmo dos dias no esgotar do Tempo. Entre aquela sociedade juncalense, destaco o António Vaz. Tem o rosto mirrado num corpo franzino. Encara-me e pressinto nos seus olhos humedecidos enquanto me abraça, a lealdade da palavra honrada de um homem simples:

- Pensei que nunca mais o via …

Realmente, longo já é o caminho da Vida. O Vaz vive sozinho, no velho casarão do Real. Convida-me a entrar pelas traseiras da casa para provar a sua jeropiga. Impossível fazer a desfeita a tal convite. Entro e, no compartimento escuro, vejo uma mesa de madeira. Sobre a mesa, repousa um jornal aberto e uns óculos graduados. São os olhos com que o Vaz decifra as notícias do semanário regional de inspiração cristã.


Então abre a garrafa e, sentados à mesa frente a frente, fala-me de um passado que conheci. Dos dias de glória da taberna que também era mercearia. Dali, pela porta entreaberta só vislumbro escuridão e um cheiro à solidão que perpassa pelo balcão e pelas prateleiras forradas de nada. É ali, naquela casa de dois andares, que o Vaz prolonga a batalha pela sobrevivência. Como quem desfolha as páginas de um Tempo, vai-me afirmando que é um homem feliz, apesar de viver só. O Centro de Dia fornece-lhe as refeições e a magra reforma ainda dá para os seus modestos gastos. 

Depois falámos do Martins, que conduzia a camioneta da carreira vinda do Fundão e dos jogos de “bisca”, com os passageiros dentro do autocarro à espera. Aquela atitude do motorista sempre me fez confusão e tive finalmente a resposta: quando a carreia vinha adiantada no horário, era ali que fazia uma pausa para chegar à tabela a Castelo Branco. 

Quis fazer um brinde. Um brinde ao presente -  disse - me, porque o caminho nos seus mais de noventa anos já é curto. Não o contrariei. Tilintámos copos ao presente e disse – lhe que breve voltaria para mais um brinde e um abraço. Olhou-me com os seus olhos francos e fez que acreditou com um aceno afirmativo de cabeça, num sorriso largo e gaiato.

Então, num mar revolto de emoções, parti.


Quito Pereira                                                

9 comentários:

  1. Estou a ler,isto é já li este teu texto, no intervalo do jogo entre a nossa Briosa e o F.C. do Porto B, que até agora está o resultado do meu descontentamento,um empate, que a ficar assim é o ponto final nas aspirações na subida!Espero que a segunda parte mude de tendência atacante para nosso favor.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já não me lembro de sofrer tanto por um jogo da Académica, o qual teve uma assistência record de 11.000!!!

      Eliminar
    2. Estou meio cegueta mas parece-me que a AAC ganhou. Expliquem isso SFF. Já estamos na primeira divisao ou nao. Obrigado.

      Eliminar
    3. Ganhou sim Chico por 1 a 0. Com o golo obtido no último minuto de um prolongamento de 8 minutos.
      Está em segundo lugar a par com o Santa Clara, mas em desvantagem nos jogos entre os dois.
      Faltam 3 jogos.
      Para subir é preciso que ganhe os 3 jogos que faltam e o Santa Clara empatar pelo menos um dos jogos que lhe falta.

      Eliminar
    4. Obrigado pela informação, Rafael.

      Eliminar
  2. Conforme me pediste, aqui vai o texto do meu arquivo e de acordo com a programação que quiseste.

    A nossa equipa não é de fiar e já devias estar vacinado contra isso ...

    ResponderEliminar
  3. Obrigado pelo excelente texto.A visita a Salgueiro do Campo e a Castelo Branco deu para veres como ficaram os campos depois dos incendios do verão passado.
    Não terá sido agradável, tal como eu vi na visita que fiz à zona de Tondela, numa jornada da Bota Cansada para estar com uns amigos a quem arderam também muito do que construiram. Absolutamente devastador!

    ResponderEliminar
  4. Mais um texto aonde o Quito nos vai pondo a par das suas vivências de forma bem clara de um passeio por terras bem específicas. Obrigado pela partilha.
    Abraço.

    ResponderEliminar