segunda-feira, 2 de abril de 2018

O CARRIL ...




Dizem os livros da ciência, que a bússola indica o norte. A minha, decididamente, avariou. Só me indica o sul, no caminho dos afetos. A autoestrada que ruma à capital, é agora o carril por onde se transporta parte do folhear do Diário da Vida. Folhear o Livro da Vida, é também encontrar capítulos especiais, quando a palavra Família ganha especial dimensão no reencontro à mesa Pascal dos que estão longe, ou, por limitações físicas ou de idade, aqueles que recolhidos em Instituições, vêm por um dia, o regresso a espaços que lhes são familiares.

Mas de novo a linha da autoestrada. De novo a bússola a indicar o sul. Por coincidência e apenas por coincidência, nesta época Pascal. Um evento relacionado com um  aniversário infantil e na qualidade de convidados. Então partimos, sempre no conforto do carril da autoestrada, até ao momento em que foi necessário deixar aquela pista de correrias, para enveredar por estradas secundárias com um resultado previsível - o comboio do nosso conforto descarrilou e lá ficámos perdidos entre planícies e cabeços. A apalpar terreno, lá fomos deambulando por entre campos coloridos em matizes primaveris e casas singelas.

Ali, naquele Lugar de casinhas simpáticas e asseadas, um homem limpa vagarosamente um carro com um pano. Olho-o de longe e logo ali vi a salvação para voltar a encontrar o carril, ou seja, retomar o meu e nosso caminho de destino. As notícias que aquele cidadão nos transmitiu, não eram animadoras. Metros á frente, acabava o alcatrão e uma estrada em terra batida, esperava-nos. 

Seria mais um inconveniente a juntar ao desnorte da bússola do nosso descontentamento. Virei o carro e o homem mandou-me parar. Perguntou qual a nossa proveniência. Fez um esgar e logo ali percebeu que eramos forasteiros de lugar longínquo. Então, pediu-me que o acompanhasse. Meteu-se no seu carro e eu, como cão rafeiro atrás do pastor, lá o segui ao volante numa fidelidade canina. Mais curvas, mais povoações até que, num terreiro parou. Saiu do carro para nos dizer – a mim e à minha companheira de viagem – que agora era só seguir aquela estrada alcatroada plantada no meio da planície e chegaríamos ao destino. Desejamos-lhe uma boa Páscoa. Em troca, recebemos um sorriso e um braço no ar em sinal de despedida.

Enquanto guiava, fui refletindo naquele Momento Pascal. Alguém, português como eu, sem nunca me ter visto, conduziu alguns quilómetros para nos prestar um serviço que nem lhe tínhamos pedido. Mas ele, percebendo do nosso embaraço, não se limitou a dar uma informação confusa. Levou o cântaro à fonte.

Provavelmente, jamais verei este cidadão, meu e nosso compatriota. Cruzámos - nos, involuntariamente, nesta passagem breve pela vida. Foi um momento curto e, para muitos, sem um relevo especial. Demasiado empenhados que estamos em olhar para o nosso umbigo, pouco valorizamos os pequenos gestos que são grandes gestos de quem nos rodeia.

Quilómetros à frente, o destino desejado e, por entre o riso feliz da pequenada, lembrei o nosso interlocutor, de quem nem sequer sei o nome. Apenas sei, que pela sua generosidade de homem de bem, o comboio das nossas preocupações reentrou de novo no carril da nossa esperança.
Quito Pereira           

4 comentários:

  1. Seja por autoestrada, veredas ou carris, a tua bússola nunca descarrila nos carris do teu Sul!

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  2. Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão!
    Quem só sabe andar por vias alcatroadas e largas...tem que ligar o tal aparelho que tens à tua frente do carro "Guia Para Sábios" e lá tens uma simpática menina que te diz corta à direita, corta à esquerda na saída da próxima rotunda, etc.
    Mas se vais por estrada que tenha muitos carreiros em zona de pinheiros, está feito ao bife...vais sempre a virar à direita ou à esquerda!
    Foi por o teu tal aparelho desligado que o bom samaritano se ofereceu para te servir de lebre...Há homens com sorte!São as bússolas de ocasião que lé te levaram ao esconderijo que procuravas! Claro e lá entregaste o FOLAR da Páscoa!

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  3. O teu Guia, viu logo que estava a ajudar gente de bem! Se fosse a mim, o gajo olhava-me para a cara e mandava-me para o meio do pinhal, por carreiros sem saída nem possibilidade de inversão de marcha. Ainda bem que o homem se despediu rapidamente com um adeus de braço no ar, porque se calha ser a tua companheira a despedir-se, ainda hoje lá estavam a conversar...
    Não esquecer:
    Nunca saias da estrada alcatroada sem conheceres os caminhos por onde te metes!
    Solução:
    Substitui o GPS pelo homem que te indicou o caminho.
    Boa Páscoa.

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  4. Apoio sem reservas.Um bom conselho pode evitar sarilhos

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