"Até começar a trabalhar era raríssimo eu ter dinheiro. Em casa, o orçamento mal dava para a alimentação e fora dela só quando um vizinho me “contratava” para uma tarefa pontual de limpar currais de galinhas ou regar as leiras no Paço eu conseguia juntar uns vinte e cinco tostões, ou mais! Correspondia nos dias de hoje, a pouco mais de um cêntimo! E nem vos digo o que eu fazia com vinte e cinco tostões naquele tempo, pois não acreditariam. Quando andava desesperado por uns rebuçados de fruta, passava em casa da minha avó e dava-lhe conta da minha “tristeza de vida”. Então ela puxava de uma algibeira de pano arredondada que usava à cintura por baixo do avental e tirava a muito custo, pois via mal, um cruzado (4 tostões) para me dar. Via mal mas nunca tão mal que se confundisse e me desse uma moeda branca de maior valor. No entanto, chegava para eu matar o vício. Demorava uns dez segundos da casa dela à mercearia mais próxima, para fazer a transacção. Mas recordo um tempo, num determinado verão, em que passei umas férias de nababo. ..Ao fazer o ”reconhecimento do chão” na zona do palco das festas do Espírito Santo, na manhãzinha seguinte ao baile, prática habitual da maralha, encontrei uma “vintoinha” dobrada em quatro, entre caricas e cascas de tremoços e de amendoins. Isso mesmo! Um Santo António! Uma nota de vinte escudos! Não imaginam a minha felicidade. Corri para casa, fechei-me na loja, e sentei-me durante algum tempo, a olhar simplesmente para ela, enternecido….Era uma fortuna! Mas não podia apresentá-la na venda, pois poderia levantar suspeitas eu ter tanto dinheiro, sendo tão novo. Consegui trocá-la por moedas junto do “Cabo Elísio”, um servente de pedreiro que trabalhava na obra por detrás da minha casa, e que me devia uns favores por ir à loja, quase todos os dias comprar-lhe cerveja. Garantiu-me que por ele ninguém viria a saber, que eu passei a ser um tipo endinheirado. E cumpriu… ." in Memórias & Inspirações"
José Passeiro
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