quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE- POESIA

não ter nada para comer,
nem água para beber.
Não ter nada para vestir,
não ter botas para calçar,
nem um batom para sorrir…
E que diferença é que faz?
morrer à sede e à fome,
de desinteresse ou inanição,
morrer porque não se come,
Mas que diferença é que faz?
Mas que diferença é que faz?
não ter ido nunca à escola,
ou ir só de vez em quando,
a igualdade é para tudo,
até mesmo para o engano.
Aprender? mas que diferença é que faz?
O saber não ocupa lugar, mas a barraca é pequena
“cada um dos nossos já trás o que sabe”.
Não, não, obrigado,
não queremos ninguém a andar direito.
E para sofrer a preceito,
com competência e respeito,
já chega andar poi aí,
levar pancada do desconhecido,
ou do vizinho mais fodido,
e até em casa, do pai que se queria querido.
Mas que diferença? que diferença é que faz?
não saber lavar os dentes,
ou usar pentes,
lavar os tomates com a água das poças
viver perdido no chão,
esquecido, no inverno e no verão.
sem amor, na solidão,
como um cão?
não, como um cão, não,
não conhece tais tristezas,
tem muito mais defesas,
lida melhor com incertezas,
é indiferente a surpresas.
E digam lá, que diferença faz? meu Deus…
mas que diferença é que faz um coração,
um fígado, um rim ou um pulmão?
O órgão inocente à merçê de um ladrão,
tirado e roubado,
para ser devolvido
a quem tiver dinheiro
para a eles ter direito.
A missão é salvar vidas,
tudo o resto é desperdício,
que nem sempre estão vivas
as crianças que se deitam no lixo.
E já agora, que tem de diferente
para um morto de abandono
a escuridão proletária de um vasilhame,
e a indiferença inconveniente de um contentor?
E que diferença é que faz?
Ser abusado nas malhas
do erotismo do sol nascente,
ser violado na Índia,
ou raptado na China,
ou fuzilado em África,
ou caçado como um animal,
nas florestas das terras de França,
onde ricos senhores
tão pobres de espírito
que nem serviriam para caça,
se divertem no seu desporto
que trocam pelos restos do seu dinheiro.
ou trabalhar nas minas e nas lixeiras
de todo o mundo,
Que diferença é que faz?
de mar a mar
de continente a continente,
até que o sangue fique azul
como o dos príncipes e princesas,
de que nunca sequer se ouviu falar, é certo,
mas será assim tão diferente?
Mas digam lá, que diferença é que faz?
ser encarcerado na américa
separado da família
em jaulas comuns
à espera das decisões dos justos hipócritas
ou apenas de que nada aconteça.
Ser criança de g3,
colocado em vigília
ou de colete fechado
à espera da sua vez,
para honrar sua família,
nas guerras dos orientes
onde todos serão crentes,
matando, impuros, os inocentes.
Ou que diferença é que faz
ser comido por um pássaro faminto
enquanto se procura um grão de arroz
na mais estéril aridez,
às portas do deserto
enquanto se ouvem, já tardias,
as pás de um Helicóptero
a batucar um hino de Vivaldi,
ou a balbuciar repetidamente
“o que é o amor?”
O que é o amor?
O que é o amor?
Mas que diferença é que isso faz?

A ONU cumpre a preceito
o mais profundo respeito,
por todo e qualquer direito,
cada qual tem o seu jeito
e o tratado é um grande feito.
E todos os países incham e enobrecem
e assinam e reconhecem,
que todas as crianças merecem
e ainda que nelas, já moribundas, tropecem,
depressa, depressa e muitas, muitas vezes se esquecem.

Fernando Franco

2 comentários:

  1. Interessa aos governos (Até mesmo para aqueles que defendem a Democracia), que a grande massa esteja sob as suas rédeas. Mantê-la na ignorância lhes renderá trilhões nos bancos e eleições garantidas.

    Vida de Gado (Zé Ramalho)

    Vocês que fazem parte dessa massa,
    Que passa nos projetos, do futuro
    É duro tanto ter que caminhar
    E dar muito mais, do que receber.
    E ter que demonstrar, sua coragem
    A margem do que possa aparecer.
    E ver que toda essa, engrenagem
    Já sente a ferrugem, lhe comer.

    Eh, ôô, vida de gado
    Povo marcado, ê
    Povo feliz
    Eh, ôô, vida de gado
    Povo marcado, ê
    Povo feliz

    Lá fora faz um tempo confortável
    A vigilância cuida do normal
    Os automóveis ouvem a notícia
    Os homens a publicam no jornal
    E correm através da madrugada
    A única velhice que chegou
    Demoram-se na beira da estrada
    E passam a contar o que sobrou.

    Eh, ôô, vida de gado
    Povo marcado, ê
    Povo feliz
    Eh, ôô, vida de gado
    Povo marcado, ê
    Povo feliz

    O povo, foge da ignorância
    Apesar de viver tão perto dela
    E sonham com melhores, tempos idos
    Contemplam essa vida, com a cela
    Esperam nova possibilidade
    De verem esse mundo, se acabar
    A arca de Noé, o dirigível
    Não voam, nem se pode flutuar,
    Não voam nem se pode flutuar,
    Não voam nem se pode flutuar.

    Eh, ôô, vida de gado
    Povo marcado e,
    Povo feliz
    Eh, ôô, vida de gado
    Povo marcado e,
    Povo feliz

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  2. Muito obrigado Chama a Mamãe pelo comentário que muito apreciei.

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