quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

ESTAVA UM FRIO DE RACHAR....

Estava um frio de rachar! Pior do que quando tudo cobria de neve. A geada formara cristais de estalactites dependuradas dos beirais dos telhados e qualquer poça de água era um vidro de gelo. As pessoas embrulhavam-se como podiam: mulheres de lenço e xale de lã e os homens de calça de burel e samarra com gola de pêlo de borrego.
Na cozinha crepitava a fornalha com grandes achas de pinheiro, secas desde o Verão anterior. Sob a grande camilha amorteciam as brasas, que a mãe ia retirando da fornalha para a enorme braseira de cobre, apoiada no estrado, onde discutíamos um lugar para pôr os pés. A mãe colocara uma manta de papa sobre a mesa que caía sobre as nossas pernitas enregeladas. Tínhamos começado a jogar o estanderete quando se começou a ouvir um harmonioso coro de vozes, ferrinhos, panderetas e adufes
.
Esta malta aqui chegada
Com este frio de rachar
Não podia nem por nada
Deixar de vos vir saudar

Vimos cantar as Janeiras
Como manda a tradição
Tragam-nos lá umas alheiras
Ou mesmo um salpicão

Não nos deixem aqui ao frio
Sem uma pinga de jeropiga
É que a água do rio
Até nos gela a barriga

Se nos abrirem a porta 
Repartimos o que temos
Com este frio que corta
Todos juntos penamos menos

Meu pai conheceu as vozes e foi abrir. Uns sentaram-se no chão de tabuado, coberto de mantas. Outros sentaram-se num banco corrido perto do fogão de lenha. E entre uns copinhos de vinho, umas rodelas de farinheira assada, umas rodelinhas de chouriço e pequenas fatias de pão centeio, foram cantando até de madrugada as quadras de elogio que haviam ensaiado dias antes. Depois, o meu pai quis mostrar como a filha era pronta a improvisar ...Todo embevecido, sentou-me nos joelhos e cantei:

Obrigada, Senhores
Por nos cantarem as Janeiras
Cuidado quando vos fordes
Não caiam nas escaleiras

Vejam que ninguém tropece
No caminho para a aldeia
É que o céu já escurece
Não se vos apague a candeia

Depois de muito rir, houve os desejos de bom Ano Novo, as despedidas e uma alegria imensa para recordar.
Texto de
Georgina Ferro

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