"Ribeira d’Eiras
Terra sem rio, riacho ou ribeira não é terra farta. A nossa Ribeira de Eiras, nasce no Brejo e alimenta - se, de outros pequenos cursos de água que a engordam e fortalecem até desaguar na Vala do Norte e depois no Rio Mondego. Tirando algumas excepções, como daquela vez em 2002 em que galgou margens, inundou moradias e destruiu muros, ela corre suave na Primavera, quase seca no Verão e recupera o seu caudal tradicional no Inverno. Hoje, sacia a sede a quintas, xácaras e pequenas hortas enquanto serpenteia ao longo do seu curso. Mas antes era muito mais que isso. A força das suas águas era utilizada para moer azeitonas e cereais em lagares e azenhas. As suas águas límpidas desencardiam roupas, almas e pessoas, nas Almoinhas, Laranjeiras e Rio d’Além. Os seus recantos sombrios refrescavam a miudagem na represa do Ti Luis, no Escravote ou na Sapeira. Nela pescávamos ruivacos e enguias. Nela apanhávamos laranjas e tangerinas arrastadas pelas águas. E como eu adorava acompanhar os meus frágeis barquinhos de papel, nas fantásticas corridas que realizávamos, desde o açude até ao Paço, em tempos de invernia e forte caudal. Hei-de repetir essa façanha um dia destes. Hei-de construir um barquinho de papel, dobrando-o como quem faz um guardanapo, fazendo sobressair a sua vela triangular. Hei-de largá-lo à água e acompanhar o seu difícil trajecto cruzando o açude. Hei-de vê-lo desaparecer debaixo da velha ponte, para surgir segundos depois, triunfante, do outro lado dela, e seguir balançando orgulhoso em direcção ao oceano…e hei-de suspirar de alegria, como fazia nessa altura...
." in Memórias & Inspirações"
José Passeiro
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