Os tempos cinzentos passados em África são um rio de
memórias. Alguns querem à força esquecer aquele passado. Outros porém, como é o
meu caso, vou revisitando momentos e chego à conclusão que a minha experiência
com africanos naquela zona perdida junto ao Boé foi enriquecedora em certos
aspetos. Afinal, outras gentes e outras culturas. Hoje lembrei-me do Vitor
Baldé que era de etnia fula. Caiu de paraquedas no meu grupo de combate. Cedo
me apercebi que era manhoso na sua relação comigo e com os seus camaradas de
armas todos de etnia fula. O Baldé se pudesse escusar-se a qualquer trabalho
fazia-o sem pudor, empurrando para cima de outros o que lhe estava distribuído.
Um dia veio ter comigo com um ar sonso, pedindo-me autorização para ir ao Gabu
buscar a noiva. Disse-lhe que naquele dia a coluna militar que se deslocava a
Nova Lamego buscar alimentos era da responsabilidade de outro grupo de combate
pelo que tinha que aguardar a nossa vez de viajar. Ele, choroso e a torcer as mãos, suplicava-me para
ir e eu acabei por ceder, com uma séria desconfiança de que ele me estava a
enganar naquele negócio. Sim, porque o casamento era um negócio entre o noivo e
o pai da noiva e que se resumia nisto: toma lá a rapariga e dá cá o dinheiro e
um qualquer bem acordado entre as partes. Então o Baldé partiu, tendo eu
previamente pedido autorização ao comandante da coluna militar para ele seguir
com o grupo, o que me irritou ainda mais por pressentir estar a ser ludibriado.
Já tarde, a coluna regressou à base carregada de mantimentos. Eu, deitado na
minha cama no abrigo a ler um “Diário de Coimbra” que me tinha chegado da
Metrópole pelo correio, ouvi o ronco dos motores. Fiquei de alerta e já de faca
afiada para pedir justificações ao meu soldado que era um autêntico primor em
manha. De repente, ele desce a escada do meu abrigo e apresenta-se. Fico a
olhar para ele e a pergunta era sacramental: então e a noiva? Está lá fora – respondeu - me. Então vai busca – la
que eu quero vê – la, disse-lhe ainda desconfiado. Mas enganei-me. A rapariga
entrou a medo e com um sorriso humilde. Fiquei a olhar para os dois,
contristado por ver aquele negócio que envolvia a venda daquela jovem pelo pai.
Sem que nada eu lhe tivesse perguntado, o Baldé adiantou-me que a noiva lhe
tinha custado quatro contos e uma vaca. Foram embora em paz, embora me
parecesse que ela não estava infeliz naquela sua nova realidade de bajuda
casada.
Outras gentes. Outros costumes. Outras culturas. Outras
civilizações.
Q.P.
Só para mais tarde se verá que se foi bom negócio.Pode devolver a mercadoria? Ou tem que aguentar...
ResponderEliminarBom Sábado Que Belo texto ..
ResponderEliminarQue Belo comentário nesta altura todas as garantias já acabaram:
Bjs