Era o 55 da Picheleira . Saudade ...
O inimigo global fechou-nos em casa. Vamos olhando para as
cadeias de televisão incrédulos com as notícias que vêm de longe e do nosso
país. Por vezes é preciso tentar sacudir a pressão, navegando por outras
realidades ou memórias. E hoje, olhando absorto pela parafernália de
informação, de ditos jocosos ou de fotografias nas redes sociais, dei comigo a
olhar uma estampa a preto e branco de uma equipa de futebol do ano longínquo de
1925. Nada de especial, não fosse o Atlético Clube da Picheleira se confundir
com as minhas recordações de menino. Era e é ali, naquela zona de Lisboa, que o
Atlético da Picheleira agora chamado Vitória de Lisboa tem o seu campo de
futebol. Naquela época dos anos setenta do passado século, o recinto era de
terra batida. Naquela zona eu tinha família. A Picheleira é um rincão da
capital de ruas estreitas com roupa colorida a secar nos estendais das janelas,
de leitarias que naquele tempo vendiam leite a granel e tabernas onde se ouvia
a religião do fado na voz rouca de Alfredo Marceneiro. Então, ao domingo, as
gentes corriam a ver o seu Vitória de Lisboa. Eram sempre partidas renhidas, num louvor
ao futebol amador. Também um hino aos que assistiam aos jogos de uma forma
civilizada, independentemente da simpatia clubística de cada um. Na chamada barraca de chá
servia-se cerveja, copos de vinho e sandes de chouriço para fazer apetite
para o almoço, que os jogos eram sempre de manhã. E eu lá ia pela mão do meu
tio Fernando, que ostentava na lapela do casaco com orgulho o emblema das águias de
Benfica. Lembro-me dele, curvado sobre os ombros como se trouxesse o mundo às
costas. Um sorriso doce moldava-lhe o rosto e a bondade era a sua imagem de
marca. Era um homem cordial e educado, que desenhava prodigiosamente. Tenho
saudade da sua ausência. Naquela fotografia do Atlético da Picheleira que olhei
demoradamente, estava um filme da minha tenra idade e por minutos abstraí-me da
nossa preocupação coletiva. De novo o Atlético da Picheleira agora travestido
de Vitória de Lisboa a embalar o meu berço de menino.
QP
Gostei tanto de ler o teu texto!
ResponderEliminarUm beijinho para ti e para a São.
Obrigado, Romicas ! Um abraço para ti e Rafael ...
ResponderEliminarE nem o "bicharoco", q a todos nos preocupa, te faz perder a veia da escrita. Fazes relatos tão realistas que quase vou contigo assistir aos jogos da tua meninice e contigo "sinto Saudade da ausência" do teu tio Fernando
ResponderEliminarVamos vencer, como outrora eu ia pela mão do meu tio na esperança de ver ganhar o Vitória de Lisboa. Um abraço, Ló ...
EliminarNão consigo comentar como "Ló". Já ontem não consegui dar os parabéns à D. Rosa. O q se passa . Rafael?
ResponderEliminarBoa tarde, Ló.
EliminarNo canto superior direito desta página do blog, deve aparecer algo como isto:
"[o teu e-mail] - Painel - Terminar sessão"
Se, em vez disso, aparecer "Iniciar sessão" deves clicar aí e... reiniciares a tua sessão no Blogger.
Quem sabe sabe ...
EliminarSe não conseguires como explica a São Rosas, publica por URL. No rectângulo maior escreves Ló.
EliminarQuito: nem imaginas o valor da foto que anexaste ao teu texto. O Alberto Bemfeita quando fez a fotobiografia do Ary dos Santos, considerou aquela frase publicitária (Beba Sagres, a cerveja) como aquela que o grande poeta considerava o seu trabalho máximo. Afinal o Ary que morreu tão novo no dia em que o 18 de janeiro da Marinha Grande celebrava 50 anos, foi buscar à publicidade o seu modo de viver. Viva o Vitória!
ResponderEliminarObrigado Manuel Cruz por apareceres. Resguarda-te ...
EliminarAbraço
Claro que me resguardo, mas o meu irmão Jorge que é 6 anos mais novo que eu, médico de profissão, é que não está nada bem.
EliminarAdmito que possa ser com a situação atual e por ser médico. Lembro-me dele e o que mais posso desejar é que breve possa curar -se. Manda-lhe um abraço solidário meu ...
EliminarOra grande novidade que por aqui escreves.
ResponderEliminarCom que então andaste pela Picheleira!!! Quando anos mais tarde, muitos anos depois de eu ter nascido é que ouvi falar na Picheleira, talvez porque tenha passado a Vitória de Lisboa, como clube porque a Picheleira como Bairro continuou.
Só não sei se ainda hoje esse bairro ou zona ainda subsiste!
Este tempo de isolamento, para ti, é um bom pretexto para te dedicares mais à escrita. Nós que gostamos de te ler é para nós um lenitivo para minorar esta pasmaceira que nos foi imposta.
Para mim é um castigo enorme. Mas tenho que me adaptar,mas vou fazendo o meu passeio higiénico, curto!
É verdade, Fernando. Aquela é hoje a zona das Olaias. Naquele tempo recuado percorri ruas e frequentei lojas. A casa dos meus falecidos tios ainda lá está e ali vive uma prima minha em segundo grau. Hoje os tempos são diferentes e guardo daquela pedaço de Lisboa recordações gratas. Mas o tempo não volta para trás ...
ResponderEliminarAo cimo da Fonte Luminosa passei muitas vezes de carro.
ResponderEliminarDe um lado a Lisboa modernista, de classe média, encimada pelo Instituto Superior Técnico e expandida pelas Avenidas Novas.
Do outro lado a encosta de um bairro popular cioso de arreigadas tradições que o Quito Pereira tão bem descreve.
Dois mundos...
Que hoje se desfizeram com a invasão do segundo pelo primeiro que se submeteu com o novo nome de Olaias.
Há males que vêm por bem.
A difícil clausura de hoje traz à tona a apreciada escrita do Quito...
Fonte Luminosa, Instituto Superior Técnico, antigo cinema Império, tudo tão familiar para mim. Nesta clausura voluntária, sabe bem revisitar o passado.
EliminarUm abraço, Rui !