domingo, 7 de março de 2021

LEVASTE A CHUVA NOS BOLSOS...



LEVASTE A CHUVA NOS BOLSOS …

 

Numa manhã de maio partiste para o Sono Eterno. Mereces esse sono reparador pela tua alma inquieta e inconformada. Viveste num planeta que não era o teu e numa galáxia que não era a tua, aprisionado pelas grilhetas de uma sociedade que não  te compreendia nem te compreende. Vestiste na vida o preto carregado do luto. O luto do teu ser atormentado. Derramaste pelos livros de poesia que escreveste o sentir da tua rima negra. O desencanto e a descrença que se visitam e revisitam página a página naquele labirinto de emoções pardas em que nos perdemos como náufragos na procura de um porto de abrigo que não vislumbramos. Morremos contigo e sentimo-nos levados pela tua mão pela diáspora do Universo e do Eterno.

Não te conheci nesta vida José António, mas queria. Queria muito. Queria falar-te do teu pai. Queria dizer-te quanto ele significou na minha infância Choupalina. Queria envolver-te a ti e a ele num abraço fraterno. Mas sei que é impossível, pois tal como tu também ele partiu. Partiu cedo quando ainda muito tinha a esperar da vida. Afinal a morte dos homens comuns, que partem anónimos no rasto da cauda luminosa de um cometa. Mas tu Zé António, nunca viveste amarrado ao cais da nossa existência opaca. Apenas emprestaste a este mundo o corpo que assinalava a tua presença física, passeando por aí absorto e ausente, trazendo contigo a chuva nos bolsos. Porque o teu espírito e a tua alma nunca pisaram esta nau terrena do conformismo do nosso penar. A chuva que levaste nos bolsos, talvez seja uma fonte de lágrimas. Lágrimas da tua impotência em mudar o mundo, de vivermos em sociedade nas asas de um sonho sempre inacabado. Sabes – ou talvez não  – quanto a tua família honrada e leal significou no meu passado remoto. Talvez por isso, quando te li e reli, senti a necessidade de falar contigo estejas onde estiveres. Foste para mim uma grande surpresa na genialidade da tua poesia. O Cantar de um Homem culto e superior, desenraizado e distante, que é só privilégio de todos os pensadores geniais. E que melhor forma terei para te homenagear, do que navegar nessa barca de desconforto e de solidão interior, remando contigo no alvoroço das tuas palavras cor da cinza - “ são horas de me erguer e caminhar fora do túmulo das palavras no segredo desse lugar único em que a escuridão da noite parece eterna claridade”.

Abraço – te, José António.

Kito Pereira      

2 comentários:

  1. Um excelente texto, carregado de nostalgia, exaltando a personalizado muito especial de alguém que não conheceste em vida.
    Texto de homenagem!

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  2. Este é o texto que eu não queria escrever. O poeta José António Pimenta era filho de Fernando Pimenta que fez parte da minha infância Choupalina. Os Pimentas trabalharam para os meus avós, meus tios e meus pais. De um seriedade e dedicação inatacáveis. O José António escolheu partir cedo. Talvez tenha encontrado a paz que procurava ...

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