LEVASTE A CHUVA NOS
BOLSOS …
Numa manhã de maio partiste para o Sono Eterno. Mereces esse
sono reparador pela tua alma inquieta e inconformada. Viveste num planeta que
não era o teu e numa galáxia que não era a tua, aprisionado pelas grilhetas de
uma sociedade que não te compreendia nem
te compreende. Vestiste na vida o preto carregado do luto. O luto do teu ser
atormentado. Derramaste pelos livros de poesia que escreveste o sentir da tua
rima negra. O desencanto e a descrença que se visitam e revisitam página a
página naquele labirinto de emoções pardas em que nos perdemos como náufragos
na procura de um porto de abrigo que não vislumbramos. Morremos contigo e
sentimo-nos levados pela tua mão pela diáspora do Universo e do Eterno.
Não te conheci nesta vida José António, mas queria. Queria
muito. Queria falar-te do teu pai. Queria dizer-te quanto ele significou na
minha infância Choupalina. Queria envolver-te a ti e a ele num abraço fraterno.
Mas sei que é impossível, pois tal como tu também ele partiu. Partiu cedo
quando ainda muito tinha a esperar da vida. Afinal a morte dos homens comuns, que
partem anónimos no rasto da cauda luminosa de um cometa. Mas tu Zé António, nunca
viveste amarrado ao cais da nossa existência opaca. Apenas emprestaste a este
mundo o corpo que assinalava a tua presença física, passeando por aí absorto e
ausente, trazendo contigo a chuva nos bolsos. Porque o teu espírito e a tua
alma nunca pisaram esta nau terrena do conformismo do nosso penar. A chuva que
levaste nos bolsos, talvez seja uma fonte de lágrimas. Lágrimas da tua
impotência em mudar o mundo, de vivermos em sociedade nas asas de um sonho
sempre inacabado. Sabes – ou talvez não
– quanto a tua família honrada e leal significou no meu passado remoto. Talvez
por isso, quando te li e reli, senti a necessidade de falar contigo estejas
onde estiveres. Foste para mim uma grande surpresa na genialidade da tua poesia.
O Cantar de um Homem culto e superior, desenraizado e distante, que é só
privilégio de todos os pensadores geniais. E que melhor forma terei para te
homenagear, do que navegar nessa barca de desconforto e de solidão interior,
remando contigo no alvoroço das tuas palavras cor da cinza - “ são horas de me
erguer e caminhar fora do túmulo das palavras no segredo desse lugar único em
que a escuridão da noite parece eterna claridade”.
Abraço – te, José António.
Kito Pereira
Um excelente texto, carregado de nostalgia, exaltando a personalizado muito especial de alguém que não conheceste em vida.
ResponderEliminarTexto de homenagem!
Este é o texto que eu não queria escrever. O poeta José António Pimenta era filho de Fernando Pimenta que fez parte da minha infância Choupalina. Os Pimentas trabalharam para os meus avós, meus tios e meus pais. De um seriedade e dedicação inatacáveis. O José António escolheu partir cedo. Talvez tenha encontrado a paz que procurava ...
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