segunda-feira, 13 de agosto de 2012

AGOSTO ...

Orion ...

Por aqui, neste Lugar de solidão, a terra dobra-se de dor, como o gemido tétrico das cordas de uma guitarra. Percorro o trilho das estevas queimadas e nem a voz mansa do vento na campina, aparta o calor que me abrasa o corpo e a alma. Ali, naquele poço, já só oiço o eco da minha voz. E, no fundo, no fundo do poço, aquele resquício de espelho de água,  mais não é que os despojos de dias de saudosa glória. Da glória das tardes chuvosas de outono. Das tardes em que o Homem campesino, ergue nas mãos calejadas, a terra ensanguentada de água, a seiva da sua sobrevivência. E eu aqui. A percorrer esta hiato da Vida. Lá longe, na paisagem ondulante que parece engolir a fita de estrada estrangulada entre vales e planícies, descubro um ser. É um homem. Pedalando devagar, percorre de bicicleta os caminhos do infinito, balançando o corpo entre uma linha ténue que divide este Agosto impiedoso de falta de água, e a esperança dos dias que virão, com a charrua a ferir a terra fofa e a sinfonia dos regatos saltitantes de fraga em fraga, a silenciar o clamor universal da cantiga das cigarras.
E logo, quando as sombras da noite se adensarem sobre os telhados da aldeia centenária, estarei sentado por aí. Talvez uma fonte generosa me dê ainda de beber da sua água cristalina e eu oiça - no vértice dos meus cruzados sentimentos e tendo como testemunha estrelar a constelação de Orion - uma ode refrescante de esperança,neste ciclo tormentoso de Verão.
Quito Pereira  

14 comentários:

  1. E as plêiades ou « sete estrelo » são a constelação de inverno.
    Antes era assim hoje com tantas modernices, já não sei se será.
    Tonito.

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  2. Orion, desterrado para os confins da cauda da via láctea, onde nos indica o lado do mar, a oeste, morreu por amor.
    Foi o castigo que lhe inflingiu Apolo, irmão da bela Artemis, por quem Orion se apaixonou perdidamente.
    E mar é água.
    E água é vida.
    A vida que o estio e a seca parecem matar em cada verão que passa...
    Mas a ode de refrescante de esperança que o Quito espera ouvir, sob o testemunho de Orion, garante-nos que em breve virão as chuvas que enchem os poços, empapam a terra e retomam o ciclo infindável da vida.

    Parabéns Quito por este desfiar de reflexões a que a tua escrita envolvente nos obriga!

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    1. Tens andado muito calado, Rui ! Desejo-te umas boas férias, por cá ou por longe ...

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  3. Como mais uma ode refescante de esperança aconselho-te a observares o lindo
    luar de Agosto quando estiveres sentado por aí...

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  4. Quito nos bons momentos de escrita a que já nos habituou!
    E os comentários que provoca são para mim uma mais valia que muito aprecio!
    Um abraço

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  5. Um bonito poema! Abençoado Salgueiro do Campo que tanta inspiração dás ao Quito!
    Duvido muito, que o Quito escrevesse coisas destas, sentado a uma mesa do Samambaia...

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    1. Duvidas bem, Alfredo. Abraço para ti e Daisy e boa estadia por Quiaios ...

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  6. Mais uma vez, poesia em prosa. Mas, desta vez, a sonoridade do texto a ninguém deixa escapar a profunda mensagem prosaica, dita em poesia.
    A água, elemento essencial da vida, é a grande protagonista.
    O Quito faz-nos perceber a total dependência da nossa sobrevivência, nossa, enquanto humanos, deste bem da natureza.
    Não será por acaso, e tenho o atrevimento de pensar que o autor se terá inspirado nesse facto ao ir até Orion, que as buscas da ciência humana se concentram na possibilidade de existência de água noutros planetas. Porque, se a houver, dizem, haverá vida extra-terrestre.
    Por "curiosidade" é Marte que está a ser sondado. Mas, confesso-vos, eu preferiria que os cientistas aplicassem os seus conhecimentos no estudo do projecto para defender a água no planeta Terra e que os países com capacidade para desenvolver essas investigações nisso investissem.
    Para sobrevivência dos nossos netos!

    Quito, aquele abraço.

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    1. Igualmente para ti, Viana. Mais apertado, por ser dia de aniversário ...

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  7. Uma prosa poética de um Quito, desta feita, virado para a astronomia!
    Uma leitura tão agradável!

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    1. Boas férias, Celeste, na companhia do Castelão Rafael ...

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