Arregaçou a manga da camisa e sentou-se. Soltou dois bafos nas
lentes dos óculos graduados, que depois limpou com o lenço castanho que tirou
do bolso das calças, trabalho meticuloso. De seguida, estendeu o braço esquerdo
e fez um ar grave. Como quem oferecia o membro superior inerte, em holocausto,
a uma qualquer Divindade Azeteca. Mentira. Ela, de bata branca, carregou no
botão do pequeno aparelho de aspeto simpático, que vai medindo as batidas do
coração … tac … tac … tac ... txxxx. O garrote aliviou - se no braço, esvaziando-se
como um balão furado.
A farmacêutica debruçou - se então sobre o mostrador do
medidor de pressão arterial e abanou com a cabeça, numa negativa que tinha
pouco de entusiasmante. Ele - o paciente - remexeu-se na cadeira nervosamente e
perguntou acabrunhado:
- Será que vou desta, Senhora Doutora ?
Ela, a pressão arterial, andava zangada com os excessos do
dono de um coração prazenteiro. Mas é sempre assim. Não fosse o Henrique,
taxista.
Vive numa maratona de correrias a levar clientes da zona do
pinhal para a cidade. E vice - versa. É assim que a Vida lhe desenhou o Destino.
A fazer curvas e contra - curvas, o carro cheio de clientes, que pagam a
corrida entre todos, que a vida não está
para brincadeiras.
O rádio do carro, vai tocando em altos berros, como a querer
amaciar os quilómetros da jornada. E no espelho retrovisor, pendurado, um Rosário
– de - Contas Brancas, que vai dançando ao sabor dos caprichos do alcatrão - a Proteção
Divina.
- Será que vou desta, Senhora Doutora ?
- Não, não vai. Mas tem que dosear o esforço e ter cuidado
com a alimentação, Senhor Henrique, diz a farmacêutica abanando a cabeça como
sério aviso …
Boa conversa da treta. Quando se juntam no táxi os que
trabalham na Câmara da cidade e vão para a aldeia, é sempre um sufoco. Basta
olhar para as panças deles, que mais parecem os bombos de Almaceda, até têm dificuldade em entrar no carro. E
depois querem parar em todas as tascas, antes de chegar ao destino - uma
inquietação. E ele, o Henrique - o Henrique taxista - a alinhar com aquela brigada
de elite de alcoólicas e bagaceiras…
- Será que vou desta, Senhora Doutora ?
- Não vai. Mas tenha cuidado …
Não paga o serviço que lhe foi prestado. É de graça, exclama
o homem da farmacêutica, que diz tratar-se de uma promoção, género supermercados
do Azevedo. Também Belmiro de seu nome …
Sai porta fora e dirige-se para o taxi. Vou- lhe dizendo que
tenha cuidado com o vinho e as aguardentes, os enchidos, o arroz de maranhos, o
bacalhau à Zé do Pipo, o cabrito estonado, o polvo à lagareiro, a cabidela de
galo, o ensopado de borrego, o grão de bico com mão de vaca, as enguias fritas,
as costeletas de porco, os achigãs de cebolada, as feijoadas de lebre, os douradinhos
da Iglo, as latas de atum, as sardinhas com pimentos e os petiscos ...
Agradece, com um sorriso, o meu cuidado. Mas lembra-me que há
muito que vive só, porque a sua mulher se finou - uma saudade. Mas lá na aldeia,
tem em seu redor mais de trinta viúvas, que o olham e tratam com carinho e
desvelo.
- Mas como é que eu não hei de andar com o coração num
alvoroço, com tanto mulherio à minha volta ?
Realmente … vou pensando eu cá para com os meus botões …
Quito Pereira
O homem não morre da tensão arterial mas morre de fome de acordo com os conselhos do marido da farmacêutica...
ResponderEliminarO mulherio à sua volta só lhe faz bem...
Concordo com o teu comentario ,o marido dessa farmaceutica so lhe tira a clientela....ahahah.
ResponderEliminarRetalhos da Vida(real) dum marido de farmacêutica...lá nas terras do pinhal.
ResponderEliminarAi senhor Henrique, sr Henrique!
Decida-se! Fique só com uma, para dar descanso ao aparelhómetro do tac,tac,tac da Senhora Dra Farmacêutica.
Tou a ver o filme...
E depois admiram-se que a Uber venha por aí...
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