segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O CASTELO DE ARNOIA ...





Fortificação roqueira ...

É bom partir. É bom encher a mala do carro com as iguarias que os amigos gostam e esperam. É bom rumar a terras do bravo General Basto. É bom chegar ao anoitecer. É bom entrar na casa solarenga e ser apertado pelo abraço amigo. De beber um copo de vinho tinto cor de rubi cheio da alma que lhe transmite o ainda mais vermelho incandescente das brasas da lareira. A posta de carne barrosã que vai grelhando lentamente e então o sentarmos na mesa comprida e repor a conversa em dia, enquanto lá fora o termómetro desce a temperaturas de fazer tiritar de frio. Um frio cortante mas saudável e, logo pela manhã, passear pela quinta, ouvir o ladrar dos cães e o cantar dos galos na capoeira do Senhor José, já de avançada idade e que é o caseiro da Casa Senhorial.  Elas, as nossas companheiras, irmanadas por conversas comuns com toque feminino, preferem o conforto que a casa oferece. E nós, vários e em vários carros, partimos com um destino – o castelo da Arnoia. Subir e descer montes e olhar o brilho da folhagem castanha  carregada da orvalhada matinal e da água que corre a jorros das fontes na beira dos caminhos. Passar pela Vila de Celorico de Basto naquele domingo soalheiro e de uma calma Celestial. Uma terra limpa e bem tratada, o que normalmente não acontece nas grandes urbes. Pouca gente nas ruas mas, aqui e ali,  este ou aquele homem que procura notícias frescas na banca dos jornais. Ou a senhora que com um pequeno saco cheio, se percebe que se foi abastecer de compras na rotina da vida. Depois, continuar viagem. Há um pequeno castelo que chama por nós. São mais alguns quilómetros a subir e à medida que estamos mais próximos do céu, mais deslumbrante é a paisagem. Chegar. Chegar e perceber que conquistar o castelo da Arnoia exige trabalho. Deixando os carros, é depois preciso calcorrear a pé uma distância significativa. Em passo lento, caminhamos monte acima, olhando ao longe pequenos vales atapetados de nuvens baixas num cenário grandioso. Depois a conquista. O entrar naquela pequena fortificação medieval roqueira – as primeiras estruturas medievais de caráter defensivo -  que os estudiosos afirmam ser do final do século X ou inicio do século XI. A data talismã de 1 034, inscrita na lápide da sepultura de Múrio Muniz, parece ter sido ponto de partida para os investigadores. O alcaide terá sido o provável fundador do Mosteiro de São Bento de Arnoia onde, nos seus claustros, foi descoberta a sua sepultura. De resto, é também convicção que o pequeno castelo era como que uma espécie de guarda avançada na defesa do mosteiro. O castelo românico, com muralhas de cantaria em granito, está muito bem conservado. Por uma escada de ferro pode o visitante subir até à torre de menagem e usufruir de uma vista soberba. Também o torreão quadrangular imponente e a cisterna protegida por uma grade no coração do monumento. Fica porém o aviso, que o caminhar pela parte norte das muralhas implica alguns riscos de queda, pelo que requer muita atenção e cuidado. Depois partir e deixar o castelo na sua beleza tão particular nesta povoação e freguesia de Arnoia, tomando um caminho estreito que nos traz à estrada. De novo parar em Celorico de Basto. Beber um café num estabelecimento asseado e de gente simpática. Ler o jornal da casa e comprar duas frações de lotaria, em sociedade com os amigos. Se nos vai sair ou não a taluda, pouco importa. Naquele domingo tão sorridente de sol e de paisagens deslumbrantes, já tínhamos o dia ganho.

         
Q P.

4 comentários:

  1. A minha amizade pelo Quito Pereira às vezes inibe-me os comentários às suas crónicas.
    Porque receio que os elogios que lhe teço possam parecer aos leitores mais desatentos como resultantes dessa amizade.
    Nada mais errado.
    Nesta como nas outras descrições que a sua pena produz, é uma delícia de leitura que nos prende da primeira à última palavra.

    Desta vez a viagem decorre ao encontro de um amigo dos tempos de tropa na direcção da região de Torga e escorrega depois para uma lição de História.
    De uma História que não se encontra facilmente nos compêndios .

    Um abraço Quito

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    1. Amigo Rui Felício

      Obrigado pela amizade e pelo comentário que fazes ao texto. Sempre as palavras amáveis, que sei que são genuínas e sinceras. Mas também, sempre o teu cunho pessoal na apreciação deveras generosa ao que vou escrevendo para os amigos. Bem - Hajas !

      A guerra dos martírios, também teve a outra face da moeda. Um colega teu, ainda hoje a exercer advocacia, fez do seu solar setecentista transmontano, local para uma tertúlia de vários antigos militares que combateram juntos, a que sempre acorre o general que na altura era o nosso capitão. Nesse pequeno grupo, que no final de cada ano corre para Trás - os - Montes, lá estou sempre, a convite e insistência do anfitrião. Ainda esta manhã, teve a amabilidade de me enviar uma foto tirada no Castelo de Arnoia e eu agradeci. E disse-lhe que o tocar pausado do sino da igreja, o latir dos cães e o cantar do galo, naquele sereno envolvimento, tendo como pano de fundo o Monte Farinha, é cenário que Eça não desdenharia na sua prosa universal. Ali, ao calor da lareira, medito sobre o ano que passou e faço o balanço da vida, em dias de retiro que são sempre acalentadores para mim e que o Paulo Archer me proporciona, em vagas de fraterna convivência, materializada num brinde licoroso envolvente ao passado, ao presente, e a um futuro que queremos longo. Como num exercício de alquimia, da guerra se fez a paz!

      Um abraço, Rui !

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  2. Agora contada neste belo texto fiquei mais esclarecido da viagem e do encontro que irias ter com o teu companheiro de armas por terras da Guiné.
    São encontros a que vais com visivel satisfação e que no regresso me relatas com entusiasmo, dada a maneira amiga e sincera como o teu anfitrião vos recebe.
    E ainda fizeste uma caminhada até ao castelo, que imagino que terá sido depois de saboreada a posta barrosã acompanhada pelo paladar refescante dum tinto cheio de alma...
    E para maior realce da postagem, ainda dois belos comentários de quem bem se entendem em matéria de bem escrever.

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  3. Gostei do teu relato, amigo Quito Desta vez foi um prazer saber que ias e regressaste alegre e de alma cheia.
    Fugir à rotina para matar saudades é sempre bom.

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