Somos um povo de partidas. Uma nação
de caravelas quinhentistas, na procura de um novo Mundo para lá do Bojador. Na
espuma do Tempo e em anos não muito afastados, vivemos de uma forma mais
intensa o êxodo dos nossos jovens para o estrangeiro. Fomos e somos um país de
emigrantes. Ontem como hoje, em situações políticas distintas, continuamos a
viver o fenómeno da partida. Dos tempos do salto da fronteira, à mala de cartão
e das selfies de despedida no aeroporto de Lisboa, com os olhos húmidos e
sorrisos de plástico, vai um mundo. Dei comigo a meditar nisto, quando há dias,
no aeroporto da capital, um emigrante abraçava a mulher e as filhas na hora da
partida. Ele, um homem conhecido na indústria do futebol, tinha sido despedido
pela sua entidade patronal. Sendo figura pública no mundo do desporto, as
televisões lá estavam, famintas de notícia e de dar ao país aquele momento
triste de uma família abraçada na hora da partida, momento privado que nem
tiveram o decoro de resguardar. Ele, um tal Rui, tentava perante as câmaras
mostrar uma imagem de serenidade. Mas os olhos avermelhados por detrás das
lentes claras dos óculos graduados, não mentiam e não escondiam o desgosto de
deixar os seus. É certo que é um emigrante de luxo, pago pelo dinheiro do
petróleo. Mas não deixa de ser um cidadão, no momento frágil da partida. Ela, a comunicação social, com especial relevo
a desportiva, vai enchendo páginas de jornais, falando nos milhões que este ou
aquele vai ganhar nesta indústria parda. E eles, os consumidores de jornais, os
mais pacóvios, babam-se de inveja, nesta história de Ali Babá. Porém, nem tudo
o que luz é ouro. E o dinheiro às resmas como passaporte para a felicidade, é
uma gigantesca falácia. Numa sociedade em que o dinheiro é uma religião, é
preciso parar para pensar. De pensar que todos temos o direito a uma vida
confortável que o dinheiro pode trazer, sem que a cegueira da ambição turve os
valores que devem ser os pilares da vida. E este meu meditar, vem no seguimento
de uma entrevista num país árabe a um dos nossos emigrantes de luxo, um tal
Jesus em terras de Alá que, no seu cortiço sumptuoso onde vive sozinho,
perguntado se naquele paraíso de abastança lhe faltava alguma coisa, respondeu
com uma cara de desencanto: falta - me tudo !
E esta frase, que reputo de
dramática para quem tem um salário dourado, bem pode ser o cântico sacro do
coro dos expatriados. Ou, talvez melhor dizendo, o nosso fado.
QP
Meu caro Rafael, aqui fica este texto que escolhi para começo de noite, de acordo com o que me pediste e que com prazer o faço. Desejo-te um bom fim de semana e um almoço domingueiro bem agradável com o nosso grupo.
ResponderEliminarUm abraço
Quito: Ao ler o texto, senti na alma todo a dor da emigração. Dói a quem parte e dói a quem fica, digo por experiência. Escusado será dizer que a tua escrita nos emociona e encanta. Abraço
ResponderEliminarObrigado. Uma boa viagem e um abraço antecipado de parabéns para o Gonçalo, e um bom passeio com o Miguel
ResponderEliminarUm belo texto abordando um assumto real, as despedidas numa separação, que é sempre mais dolorosa nos casos de imigração.
ResponderEliminarExcelente.
ResponderEliminarAbraço
Belo texto! Não só aborda um assunto importante e vivido por, praticamente, todos os portugueses, como nos dá a conhecer uma resposta inteligente e excelente, de alguém que é dado como um ignorante no que diz respeito ao falar e à maneira como se expressa.
ResponderEliminarEu gosto de observar o trânsito de pessoas, seja em um restaurante, à espera do prato pedido, ou em aeroportos, quando aguardo alguém chegando/indo. Consigo flagrar situações vividas por quem circula por esses lugares. No caso de aeroportos, é mundo interessante observar o semblante das pessoas, tanto daquelas que estão a partir, como também daquelas que ficam.Eu gosto muito de provocar o assunto, do tipo: "Olá, tudo bem? Está esperando alguém da família?". Basta isso, ou até menos disso, para me deparar com histórias incríveis.E o melhor´: todas as histórias são reais, com a vida sendo contada em todas as possibilidades.
ResponderEliminarMas o que mais me chama à atenção são as crianças: para elas não há medo de voar de avião; não há ansiedade maior, até, do que adentrar naquele "pássaro" e, lá das nuvens, olhar para baixo.
Ainda bem que somos anônimos, assim podemos chorar nas despedidas e ninguém, sequer, se importará com as nossas dores, nossas saudades...
Belo texto, Quito!
(*)No caso de aeroportos, é muito interessante
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