O Pico ...
Porque a vida não se esgota apenas no combate politico e
ideológico, a campeonatos de futebol ou a uma geometria de interesses
instalados, aqui partilho um belo texto do padre António Rego. Simultaneamente,
dizer que um jornal dito sensacionalista, não é sinónimo tácito de falta de
qualidade. E este texto será, talvez, a prova de que no meio de tanto confronto
de verdades e de mentiras, sabe bem deixar repousar o espírito. Melhor quando
temos como companhia alguém que sabe transportar para uma folha de jornal o
perfume de por onde os seus olhos vagueiam e o seu olfato pressente. Afinal, o
dom da escrita dos privilegiados. E eu, simples leitor, que tive também a
felicidade de olhar a Ilha de perto e de longe, de escutar o silêncio da
montanha na minha absoluta insignificância, revejo-me nesta prosa, com a
humildade de reconhecer que o talento da escrita é feudo apenas de alguns. Ao
padre António Rego felicito por este seu texto que, com a devia vénia e para
quem não o leu, passo a transcrever:
No Alto da Terra
O Pico é um monumento. Um monumento nacional. O mais alto monumento nacional. Eleva-se sobre o mar e sobre nove ilhas. É raro saber-se
onde acaba. As nuvens oferecem-lhe um véu misterioso que o cobre suavemente lá
pelas alturas. E ele consente, num silêncio sibilado pelo vento que nunca tem
direção. E aquilo a que chamamos nuvens porque nos falta palavra melhor. Para
imaginarmos a altura do Pico temos de nos afastar. E deixar que a imaginação
ofereça à vista o que esta humildemente reconhece como impossível de alcançar.
Não nos humilham estes mais de dois mil metros de altura. Mas dão-nos a imagem
da nossa pequenez e de não sabermos até onde vão as alturas que os nossos olhos
não alcançam. Visto de longe ainda mais nos desconcerta. Os ténues pontinhos
brancos próximo do mar são casas onde habitam pessoas. As ruas não têm espaço
para serem desenhadas. A Ilha só existe presa a um aglomerado cuja composição
apenas adivinhamos deixando que a imaginação descreva o que os olhos não alcançam.
É o ponto mais alto de Portugal, a ilha mais perto do céu, a liberdade de se
espreguiçar sobre o mar deixando ainda
largo espaço para que todos a namorem com a inveja de uma criança que
contempla um gigante. Assim estamos
pequeninos, olhando do Faial, com velas de barcos a agitar a paisagem e espuma
alva a roçar as margens da grande ilha em frente. De vez em quando tudo é claro
e é a irmã terra que vislumbramos. Mas a seguir lá vem a neblina ou a nuvem
densa. É este oculto sem alto nem baixo, sem longe nem perto, sem terra nem
horizonte. Mas que nos segreda o mistério que se abre entre o finito e o
infinito como que entoando um hino inaudível, mas eloquente como um grande
sermão que sugere o além mas nada nos explica, nem sequer a forma de o alcançar.
O melhor de tudo é perceber neste ar de sal que só o infinito tempera e
conforta a insignificância do nosso ser.
António Rego
Tens toda a razão Quito.
ResponderEliminarEspecialmente quando dizes que a qualidade não pode ser avaliada pelo veículo que a transporta.
O seu valor é intrínseco, é independente do invólucro,
Infelizmente, o que vamos vendo cada vez mais, com especial acuidade nos debates televisivos, nas redes sociais, nos clubes de futebol, é uma pré-catalogação da validade de uma ideia em função do autor que a transmite, sem se cuidar sequer de a discutir.
Isto é:
Se um texto literário é produzido por alguém de Direita, logo terá a oposição do leitor de Esquerda.
E a inversa também é verdadeira;
Se a sua publicação é feita num jornal pasquim, logo será ignorado pela aburguesada e pedante intelectualidade, que nem ao trabalho de a ler se dá;
Se um benfiquista manifesta a sua análise, é seguro que os sportinguistas de imediato a condenam, sem sequer aprofundarem essa análise.
E vice-versa.
Obrigado pela tua partilha.
Obrigado por aflorares um tema que nos faz reflectir.
Pois, Rui. Donos da moral, tribos politicas e matilhas de cores desportivas, há de tudo. E de hipocrisia também. Por vezes, como quem peneira grão, ao ler um jornal dirigido supostamente a determinada camada da população menos letrada, encontram-se artigos bem conseguidos. Curioso é que esses ditos jornais, ninguém os lê mas toda a gente comenta o que lá vem escrito. Um jogo do gato e do rato, que não abona em nada da seriedade intelectual de quem se acha culturalmente e moralmente superior. A nossa idade madura, meu caro amigo Rui, já nos dá o direito - porque a vida assim nos ensinou - a refletir como já não há verdades absolutas e cristalinas.
ResponderEliminarUm abraço
Por acaso fui ao Pico e piquei-me.
ResponderEliminarSobre o Pico no alto da Terra gostei de ler!
Sobre o Pico nada mais verdade: o talento da escrita não é para todos:
É por isso que gosto do que tu e o Rui Felicio escrevem.
Obrigado aos dois!
A beleza dos Açores não se traduz por palavras. Visitei 4 ilhas e cada uma com a sua beleza muito própria. Uma espécie de paraíso na Terra. Todos os portugueses deviam visitar os Açores por decreto. Devia ser obrigatório !
EliminarAbraço, Rafael ...
Belas prosas, lindas ilhas! Quito, ainda te falta ver as restantes, pois sei que também são dignas de visita.
ResponderEliminarCeleste como seria bom !!! Valem as fotos e descrições dos nossos amigos Daisy e Alfredo para se fazer uma ideia do que serao as outras ilhas encantadas que ainda não visitámos!!! Até amanhã. Beijinhos.
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