sexta-feira, 8 de março de 2019

RECORDAR O DR. VICTOR CAMPOS ...





Hoje o negro da nossa camisola é o preto do nosso luto ...

Todos os que gostamos da velha Académica estamos tristes. Mais tristes aqueles que beberam de um grupo singular de estudantes dotados para jogar a bola. Naquele tempo recuado, a Académica de Coimbra bateu-se com os melhores. Pisou palcos nacionais e internacionais. Levou o nome de Coimbra pela Europa. Nesse grupo, dois futebolistas se distinguiam pelo facto de serem irmãos e titulares da equipa – maravilha – os irmãos Campos. Ambos se formaram em Medicina. Hoje, o Victor Campos partiu. Fica um vazio imenso e uma memória. A lembrança de um jogador aguerrido, defensor implacável dentro do campo da camisola negra. Dizia-se que tinha tanto de mau feitio na peleja como de dois pés soberbos e o fino recorte do seu futebol miudinho e rendilhado. Era muito difícil a qualquer antagonista disputar uma bola com Victor Campos. A magia da sua técnica com a bola levava sempre a melhor. Um dia, no Hotel “Terceira Mar” nos Açores, um antigo  árbitro de futebol que residia no Barreiro falou-me da Académica e dos muitos jogos que arbitrou da Briosa. Recordou um jogo no Algarve onde Victor Campos lá achou que o meu confidente estava a prejudicar a Académica e foi - lhe dando parecer do seu desagrado. Mas como este continuava impávido e sereno a fazer aquilo que lhe parecia ser uma arbitragem imparcial, o Victor Campos passou por ele e pisou-lhe um pé ostensivamente, fazendo que tinha sido acidental, para depois de sorriso amarelo mascarado de amabilidade lhe dizer: desculpe foi sem querer. Como os grandes campeões, o Victor Campos lidava mal com a derrota, que o mesmo não significa que tivesse mau perder - são coisas distintas.
Apenas  uma vez falei com o Dr. Victor Campos. Por ocasião de uma intervenção cirúrgica de um familiar. Ele fez parte da equipa que efetuou a operação e teve a gentileza de me procurar num quarto da antiga Clínica de Montes Claros e me explicar todos os procedimentos de um tratamento que foi um êxito. Aqui, neste momento, quero registar esse passado menos bom e agradecer ao médico que um dia jogou futebol na Briosa e na seleção nacional, a sua disponibilidade para comigo e de me ter procurado voluntariamente.
Esta é uma crónica triste. Mas o Dr. Victor Campos, guerreiro que era dentro do campo, merece que eu termine este meu testemunho emocionado com algo que nos faz rir e atesta bem do seu espírito académico: numa tarde de domingo, no velhinho estádio municipal, jogavam Académica e Vitória de Setúbal. Numa disputa de bola, Jaime Graça – outro grande jogador – atirou-se para o chão magoado. Victor Campos, com muitos anos de tarimba das manhas do futebol profissional, logo percebeu que a lesão era simulada, até porque o resultado corria a favor dos sadinos e era preciso deixar escoar o tempo de jogo.  Dirigiu-se então para o jogador prostrado no chão e disse – lhe com aquele seu fino humor:
-Óh Jaime estás com sede ?
O sadino, a gemer de uma dor que não tinha, perguntou-lhe num esgar de ronha:
- Não. Mas porquê ?
O Victor, mal humorado e porque tinha dificuldade em perder, agarrou – o por um braço e disse-lhe com um ar “gentil”:
- É que estão ali uns tipos na bancada a atirar-te com laranjas …
Nós, os que amámos uma Académica que era uma pedrada no charco do futebol profissional que nos valeu invejas e inimigos, entoamos hoje um grito académico e enviamos- te uma enorme coroa de flores.
Obrigado, Dr. Victor Campos.
Q.P.
        

3 comentários:

  1. Oportuna postagem sobre a morte de uma velha glória da Académica.
    Foi um grande jogador e sobretudo um verdadeiro académico, que permanecerá para sempre na galeria das glórias da AAC.
    Lembro-me bem da sua chegada a Coimbra juntamente com seu irmão Mário Campos, também ele uma glória da Académica.
    Na primeira equipa foi O Vitor Campos o primeiro dos dois a estrea-se, penso que nun jogo em que a a Académica ganhou ao Setúbal por 2 a 0, sendo treinador José Maria Pedroto.
    Esreou-se como internacional em 22-03-1967 comtra a Bálgica e depois contra a Itália.
    Tive o privilégio de falar várias vezes com ele, tendo até sido o médico anestesista numa operação que fiz na Clínica de Montes Claros.
    Depois de ter adoecido encontrei-me com ele na Cáritas onde fazia fisioterapia.
    Á família apresento as mais sentidas condolências.

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  2. Por ser um excelente depoimento sobre o Vitor Campos, transcrevo o que escreveo Dr. Alfredo Castanheira Neves( anterior Presidente da Mesa da AG da AAC/OAF, inserta no Diário online "Campeão das Províncias:
    VITOR CAMPOS, O AMIGO
    Por várias vezes, disse que, se fosse incumbido de fazer um dicionário, a expressão que me consumiria menos tempo a decifrar seria ACADÉMICA, pois para tanto bastaria colocar a fotografia do Vítor Campos!

    Ele foi um conceituado e credenciado médico (anestesista), um cidadão exemplar no plano cívico e humano, um genuíno e matricial intérprete da idiossincrasia e da mística da maior instituição sócio-desportiva de Portugal – a Associação Académica de Coimbra.

    O fulgor das suas exibições, a irradiante alegria com que praticou e jogou futebol, a paixão com que lutava pela sua, pela nossa, Académica, são marcas indeléveis e imorredoiras de uma página de ouro da história da instituição.

    A par disso, e não menos do que isso, teve sempre na vida uma postura de enorme lealdade, de invulgar solidariedade, de exemplar tolerância, de aprumado civismo, de contagiante alegria, sendo indiscutivelmente “o Amigo” que todos querem ter.

    Quando, há perto de 60 anos, chegou a Coimbra, provindo da sua terra natal, Torres Vedras, uma semana depois já éramos amigos e assim nos mantivemos sem hiatos e sempre com renovado entusiasmo, mesmo depois de atraiçoado precocemente pelo destino no capítulo da saúde.

    As nossas «reuniões» semanais, que mantivemos até ao ultimo domingo, inspiraram sempre a definição da postura solidária e fraterna com que instintivamente me vinculou desde que o conheci.

    De facto, o Vítor veio para ficar no coração de todos os que tiveram, como eu, o privilégio de o conhecer e ter por Amigo, na repartição da peregrinação da vida e, sobretudo, da glória e das angústias da Académica, na exuberância das frequentes e intensas conversas pessoais que mantivemos e durante as quais foi sempre sua preocupação falar e saber da nossa Académica, falar e saber de Coimbra, projectar soluções para um futuro menos turbulento.

    Partiu um grande Senhor, um grande desportista, um grande homem. Mas fica o seu exemplo, que procuraremos honrar na recordação viva de um Amigo/Irmão que jamais sairá do meu coração.

    Onde estiveres, grande Vítor, ajuda-me a saber honrar a tua memória e a tua inesquecível personalidade e nunca faltes, por favor, às nossas conversas dominicais!

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  3. MANUEL ALEGRE. OPINIÃO INSERTA NO PÚBLICO
    VITOR CAMPOS, UM SÍMBOLO DA ACADÉMICA

    Vítor Campos não foi só um grande jogador da Académica e da Selecção Nacional de Futebol, foi e será sempre um símbolo de uma certa cultura de Coimbra, que é um modo de ser e conviver, mas, sobretudo, um estilo de vida, de solidariedade, uma forma de viver com os outros e para os outros, uma partilha. Como seu irmão Mário, como todos os outros dessa equipa que, nos anos sessenta, jogava um futebol diferente, os que ficaram em segundo lugar no Campeonato, e, por duas vezes, foram vencidos na Taça de Portugal, principalmente em 1969 quando o Jamor se transformou no palco de uma das maiores manifestações antifascistas de sempre. Diferentes no campo, diferentes na vida, eles batiam-se pela Académica e, com ela e connosco, cá fora, lutavam, também, pela liberdade. Quando entravam em campo, às vezes a monte, às vezes de capa, todos nós entrávamos com eles de capa. Representavam a Académica, levavam nas camisolas negras a nossa juventude, as nossas utopias e, quando se enrolavam nas capas negras, estavam dentro daquela capa mítica que o Adriano cantava: Capa negra rosa negra/Bandeira de liberdade.








    Assim era o Vítor, duro a jogar, tão sereno, doce e cavalheiro na vida, tão solidário, sempre a sofrer pela Académica e pelas injustiças, tão suave mesmo quando se zangava. Trazia uma Académica libertadora na alma e na pele.


    Não sei se hoje se compreende o que foi a Coimbra dos anos sessenta. Não sei se se consegue entender a dimensão e a grandeza de um homem como Vítor Campos. Podia ter ido para grandes clubes estrangeiros, mas não quis sair de Coimbra. Para ser médico, para ser na vida como tinha sido no campo, fiel à raiz, construtor de democracia e do SNS, solidário praticante. Vítor Campos, um emblema no coração, uma capa negra, depois uma bata branca. Pela Académica, por Coimbra, sempre.

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