Corro ao encontro do Túnel do Grilo, no coração de Lisboa. Um
amontoado de carros em várias faixas de rodagem, em marcha lenta. Um descuido e
um pequeno toque entre duas viaturas. Nada de grave, apenas lata amolgada e uma
jovem de colete amarelo a olhar desconsolada para os estragos. Depois, passada
aquela garganta, aquele estrangulamento de trânsito, recomeça a correria. Guiam
como loucos e redobro a atenção. Ultrapassam-me pela direita e pela esquerda
naquela sinfonia de luzes na penumbra daquela caverna. Depois, um novo céu. Um regresso
à liberdade daquele momento breve de claustrofobia. À medida que nos
aproximamos da Ponte com nome de navegador os carros escasseiam. Levitamos
agora sobre o Tejo e olhamos o casario da cidade que vai ficando para trás.
Passamos as portagens da margem sul e, como por magia, percebemos que estamos
quase sós. Uma ou outra viatura passa por nós apressada. Olhando atentamente,
percebe-se que na sua maioria são carrinhas de trabalho de empresas. Os dizeres
em letras garrafais nas portas indiciam a firma e até o número de telefone que
nos sugere um fabricante de caleiras no Barreiro, das iguarias de um
restaurante em Setúbal ou de uma carpintaria em Palmela. Viajantes de ocasião
se calhar, apenas nós. Turistas de inverno à descoberta do sul. Sabemos, por
longa experiência, que é longe dos amontados de gente no verão que melhor nos
reencontramos com a nossa própria identidade. De pensar, de refletir, de
dialogar com a natureza neste ou naquele pormenor que nos escapa. Almoçar sem
horas e a ditadura daqueles que de pé nos cobiçam a mesa que ocupamos. Falar
com os nossos amigos que vivem naquele fundo de Portugal. Entender as suas
ansiedades e expectativas. Amar o mar revolto. Amar a suestada. É quando o
oceano batido a vento de sueste se eriça como um gato assanhado e muda de cor
num verde grosso e profundo. É tempo do pescador não ir ao mar. De bater as
cartas no tampo da mesa de madeira com os camaradas da traineira. Ou de
remendar com a ponta de uma agulha robusta as artes da pesca. Depois o oceano
amansa, como que arrependido e a pedir desculpa aos homens da faina. Em tudo
isto medito ao volante do meu carro. Guio pela autoestrada anónima e enfadonha,
tentando cumprir o código da estrada. Há um sono que me invade e tento olhar a
paisagem verde e dos animais que parecem estáticos a pastar naquele cenário
bucólico e amplo. Carrego no acelerador por uns quilómetros, a tentar acordar
os meus níveis de concentração, num instinto de defesa. Chegar. Sentir o afago
de uma brisa fresca no rosto e abrir as janelas e as varandas da casa vazia que
nos recebe num mudo contentamento. Olhar o mar de inverno e perceber que está
mesmo de suestada. Mas o Algarve é mesmo assim. Em breve tudo mudará. Há um mar
azul que vai enrolar na areia. Um sol de uma primavera antecipada, que inundará
a sala de lazer do meu contentamento. E um peixe fresco para comer no conforto
da alma revigorada e dos brindes de vinho branco gelado que observamos nos
turistas de cabelo grisalho, a glorificar a caminhada pela vida em vagas de
ternura.
QP
Rafael, fiel ao que me pediste ontem, aqui fica mais um texto. Até breve.
ResponderEliminarUm abraço
Ok companheiro!
ResponderEliminarLi o texto com atenção, mas nunca tinha ouvido falar no tunel do grilo.
Fui ver onde ficava, mas não fiquei bem informado.
Pela descrição no texto deve ser uma porta de saída de Lisboa para os Algarves, mais própriamente para o teu que fica em Lagos.
Mas sem problemas consegues andar de carro no emaranhado trânsito de Lisboa e respiras de alívio quando te apanhas nas estradas ou auto estradas que vão dar ao Algarve.Nalguns troços e nesta época devem ser de lá passa um carro de vez em quando!!!
Mas em Lagos és REI!
Gostei do que li e achei engraçado!
Um abraço
Uma das faixas do Túnel dá acesso à Ponte Vasco da Gama. Mas a sinalização horizontal (marcada no chão) é bem visível. Para quem frequenta todos os dias não tem problema. Problema é tudo com muita pressa e a atravessaram faixas na diagonal. Estão habituados, o que não é o caso de quem mal conhece. Mas por vezes também se estampam !!!
EliminarÉ também no Inverno que todos os anos vou ao Algarve. É assim que também gosto de fazer a viagem, sem carros com ultrapassagens malucas, nem correrias. O Algarve é bom e bonito sem os magotes de turistas e sem o trânsito infernal.
ResponderEliminarGostei do texto.
Sim, também gosto do Algarve sem massificação. No regresso até almocei calmamente na autoestrada, lá para o meio do Alentejo, sem atropelos e tudo muito calmo. Até a comida era boa, o que é raro. Comida de autoestrada só por penitência!
EliminarObrigado pelo teu testemunho e colaboração com o blog.