quinta-feira, 27 de agosto de 2015

BARLAVENTO ...






 (Foto de José Filipe)

Se em Lagos há uma brisa residente, em Sagres mora o Vento Eterno. O Vento que empurrou caravelas e marinheiros para destinos distantes e desconhecidos. Lá, em Sagres, olhamos o farol para, junto a um paredão robusto, nos arrepiarmos com o despenhadeiro a pique sobre o Atlântico.

Por entre vagas de espuma e de cabelos soltos a uma aragem fria, divisamos uma vela branca que cavalga sobre as ondas. É um barco de recreio, que se atreve a subir o oceano, rumo a norte. Um desafio temerário, de quem gosta de viver na linha ténue que divide a vida do seu ocaso. Acolá, um outro ponto de referência. Uma traineira frágil, batizada com nome de Santa. São os filhos do mar, que procuram na Proteção Divina, o seu porto de abrigo. Dos que, desafiando tempestades, lutam pelo pão da vida. A subsistência para si e para os seus.

Depois, partimos. Procuramos a Praia do Amado, paraíso de surfistas e de uma escola de surf. Desafiam as ondas num estranho bailado aquático. Em terra, numa pequena colina sobranceira ao mar, o estacionamento de viaturas  é anárquico. As carrinhas, muitas de matrícula estrangeira, dão um colorido exótico, com as suas pinturas a lembrar tempos recuados da década de sessenta do século passado. Algumas, de tão mau estado de conservação, são um mistério em como conseguem progredir por essa Europa fora.

Então, o caminho estreito de alcatrão empina. Atingido o planalto, rolamos junto à falésia, sempre na companhia do largo mar.

Lançamos âncora no restaurante “Sitio do Forno”. A esplanada é pequena, mas de paisagem deslumbrante. Dali se avista uma rampa de acentuado declive. No fundo, um pequeno cais. Naquele local, atracam os pequenos barcos que abastecem de pescado o restaurante. Peixe mais fresco não há.

Não terminaria este pequeno apontamento algarvio, sem recordar o restaurante "Correia" em Vila do Bispo. Mas não é a fantástica galinha de cabidela servida no tacho ou os camarões grelhados, que são atração da casa. A sua pequena proprietária, que com filhos e marido tomam conta do negócio, são motivo de admiração e até de perplexidade. Sobretudo ela, com o seu palmo de altura. Os clientes mais pacientes, esperam a sua vez de mesa. E por vezes esperam muito e não abrem boca. Aos menos avisados que mostram a sua impaciência, a resposta da proprietária é demolidora:

- Se não quer esperar vá embora que não faz cá falta nenhuma … o senhor só é considerado freguês depois de estar sentado à mesa …

Mas a verdade, é que ninguém arreda pé. O seu feitio azedo, já deu azo a muitos comentários em jornais de referência. Estranhamente, para dizer bem. De facto, o serviço é de excelência.

O Barlavento algarvio e os seus promontórios junto ao mar inquieto, são um hino ao silêncio. Quem não gosta de massificação, quem aprecia momentos de recolhimento e de praias quase desertas e selvagens, encontrará nesta varanda da Europa a sua rota, com a Ponta de Sagres recortada num horizonte de pedra rude e escura. O local ideal para nos reconciliarmos com nós próprios. De, sentados numa falésia, falar com o mar e escutar o seu bramir. De Lhe agradecer a mensagem poderosa que nos transmite e nos estimula.

É esta simbiose milenar do Vento Eterno, com o perfil sisudo de um palco belo mas austero, que nos faz tomar consciência da nossa fragilidade humana. Da passagem efémera pelo planeta que nos deu guarida. Mas também de bebermos com prazer e até à última gota, cada instante da nossa existência.

De lembrar os nossos antepassados distantes. De sermos portugueses marinheiros, mesmo que enredados numa teia em que para lá da fronteira, por caminhos ínvios, se desdenha do nosso Vento Eterno. Da Pátria que fomos e somos.
Quito Pereira        

16 comentários:

  1. Um bom "retrato"!...
    Não posso deixar de dizer, que no restaurante Correia, a mim não me apanham. Obrigado Quito, por me avisares como as pessoas são tratadas pela mulherzinha!... Pode servir a melhor comida do mundo, mas para mim não serve. Por menos já eu risquei vários restaurantes.

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    1. Pois, Alfredo,é mesmo assim. O que aqui relato, é quase uma cópia do que uma vez o Miguel Sousa Tavares escreveu, quando lá chegou convencido que lá por ser figura conhecida dos média, tinha tratamento diferenciado. Enganou-se. A "velha" não se impressiona com ninguém. Mas, verdade se diga, que a casa está até à porta. O marido, que é o cozinheiro e os dois filhos motoqueiros são simpáticos e vêm até às mesas falar com os clientes. Já lá não vou há bastante tempo, mas estou de férias e não estou para estar ali a secar. Mas, honestamente, a comida é boa ...

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  2. É uma zona do Algarve que muito aprecio e onde fiz praia na década de 70....
    Em Julho fizemos um passeio até Portimão e recordei bons tascos que frequentámos. E comemos uma boa sardinhada num que não conhecia.
    Vila do Bispo a Guida Antunes Vieira tem lá familiares pois a mãe nasceu lá.
    Continuação de boas férias!

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  3. Viagem por essas bandas dadas a conhecer com maestria!
    É de tomar nota quando se for para essas localidades do Algarve.
    Mas realmente ir pró Correia em fila de espera e depois levar com as respostas da sua pequena proprietária é capaz de não compensar a excelência da refeição!! Também já risquei um ou outro restaurante por muito menos...
    Vá acaba lá de te bonzear que já chega de praia...à sombra!
    A Condessa espera por ti, melhor por VÓS!
    Até breve!

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    1. Até breve, Rafael. Se eu disser que depois deste tempo todo não pus um pé na areia ninguém acredita. Foi uma total greve à praia !!!

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    2. Não será melhor ires até Sotavento...ou melhor ainda vires para o Centrovento?
      Tens que vir ao almocito de domingo para contares todas as tuas aventuras no Barlavento!!!

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    3. ...que tal um leitãozito!!No Jaquim dos Leitões!?

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  4. Com a beleza algarvia como pano de fundo, o Quito descreve-nos o paraíso.
    Confesso que no respeitante à tranquilidade, que nos transmite, sou pouco crédulo. Há largos anos que tinha riscado o Algarve, em Agosto, dos meus planos de férias. Há cinco anos, por insistência da família, cedi e bem me arrependi da cedência. O quadro era o mesmo: montanhas de gente acotovelando-se, preços exorbitantes e... maus tratos muitos.
    Juro mesmo, Algarve, em Agosto, nunca. Fora de Agosto, talvez, mas com muitas reservas. Não gosto de voltar onde sou maltratado por cometer o crime de estar no país onde nasci, e falar a língua de Camões...

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    1. Amigo Viana
      Por aqui, de Lagos para Sagres, a calma é absoluta. Pouca gente nas praias (até na Praia da Luz!) e restaurantes sem atropelos. Para sotavento já não direi o mesmo. Mas mesmo aqui perto, em Portimão, é já grande a confusão. Fui lá uma vez e chegou. Os preços correntes dos bens de consumo estão iguais aos daí. Os preços dos restaurantes também, nesta zona. Lá para o outro lado, os preços são mais caros ...

      Eu julgo que no "Correia", toda aquela "encenação" da proprietária já faz parte do markting da casa. Mas não precisava. Aquilo está sempre cheio. Aqui, por onde tenho andado, as pessoas dos restaurantes são educadas. Ainda não tive razão de queixa ...
      Toma lá um abraço

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    2. A "baixinha" do "Correia" deve estar a querer imitar o "Malcriado" de Matosinhos. Estive lá há meia duzia de anos e o homem já tinha falecido. Estava a ser explorado por dois dos ex-empregados e o serviço continuava a ser óptimo, sem malcriadices e a casa continuava à pinha de clientela. Isto deve querer dizer que não é preciso ser malcriado para se ter a casa cheia, o que é preciso é que o serviço tenha qualidade e não nos "esfolem" até ao osso...
      Reconheço que estarei desatualizado quanto ao Algarve. Ainda bem. Mas, pelos vistos, todos sentiram o mesmo que eu. Uma autêntica afronta constante e parecia que premeditada para "correr" com o portuga.
      Em relação a mim, conseguiram. Há tanto sítio bonito onde sempre fui bem tratado!

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  5. A brisa marítima é uma boa musa inspiradora! Belo texto, que se lê com gosto e se saboreia sem " ralhetes"...
    Aguardo que me relates a tua ida à areia e à água desse mar que me encanta.
    Vá, força, dá um bom mergulho por mim!

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  6. Há 20 anos, o Algarve era uma bosta para os portugueses que fizessem lá férias.
    Fui várias vezes maltratado ou, no mínimo, ignorado, em restaurantes, cafés, bares, esplanadas, lojas,...
    Na altura, também decidi deixar de fazer férias no Algarve. De há uns anos para cá, decidi voltar a experimentar. E a diferença é enorme. Na maioria dos sítios, os comerciantes e empresários do Algarve aprenderam a respeitar os turistas nacionais.

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    1. Tou de acordo totalmente contigo Paulo Moura. Lembro-me bem desses tempos!!!Tal como dizes. Portugueses no Algarve não eram bem vistos!.

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    2. Era mesmo ostensivo. Se um empregado ouvia alguém falar português, tratava-o abaixo de cão, para lamber as botas a quem falasse inglês, francês, alemão, espanhol,...

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