Que futuro ? ...
Neste Setembro que vai correndo, passeando um carrinho de bebé
pela zona mais aprazível de Lisboa, com o Tejo a meus pés, a Ponte Vasco da
Gama ao longe salpicada de automóveis e camiões que lhe percorrem lentamente o
tabuleiro, e um número significativo de restaurantes e esplanadas a abarrotar
de gente, dei comigo a observar um grupo extenso de rapazes e raparigas em
traje académico que, com alegria mas ordeiramente, entoavam gritos académicos e
tiravam fotografias, naquele que será, provavelmente, o início de aulas na
universidade. Reparei que alguns eram já mais velhos, e que outros davam os
primeiros passos num novo capítulo das suas vidas.
Hoje, nesta época que habitamos, é assim em Évora, em Braga, no
Porto ou em Castelo Branco. Gente de capa e batina, que empresta às cidades um
colorido que outrora era apenas prerrogativa da cidade universitária por
excelência – Coimbra.
As décadas sucessivas, vieram modificar os hábitos. Aquilo
que alguns julgavam tradição exclusiva de uma urbe, passou a vulgarizar-se, até
por vezes e muitas vezes com práticas, direi praxes, pouco recomendáveis.
A nossa Coimbra gozou outrora - para além do seu estatuto de
cidade do Saber e do Conhecimento - de um passado rico desportivo, tendo na
Associação Académica de Coimbra, na vertente do futebol e não só, um espólio de
resultados desportivos e de atletas que são hoje lendas que orgulham os que
amam a Lusa – Atenas.
Mais tarde, por razões conhecidas e num momento conturbado da
sua existência, a Académica mudou de sexo para se chamar Académico, naquela que
foi uma longa travessia do deserto.
Um dia, quiseram reabilitar-lhe a
identidade perdida. Gente com amor à Instituição e saber jurídico, conseguiu
arranjar forma de que tudo voltasse a uma aparente normalidade. Tal como a
existência de outras secções da respeitada Academia, foi reescrita uma nova
página, a saber: um departamento autónomo que permitia à cidade, manter a
Instituição e Coimbra, no desporto de alta competição.
Um adaptar da modalidade de futebol às exigências de um Tempo
Novo, mais pragmático e menos romântico. Afinal, sinal de uma Nova Era, em que
tudo era questionado e posto em causa, sobretudo daqueles que sendo
forasteiros, jamais poderiam perceber e sentir Coimbra como os que aqui nasceram
ou, em tempos muito recuados, estudantes que assimilaram a cultura da cidade,
fosse no badalar da maldita cabra a chamar para as aulas, as favas com linguiça
semanas seguidas nas Repúblicas por falta de fiado nas mercearias, as noites de
boémia e os namoros palpitantes no Penedo da Saudade.
Voltando ao cerne da questão, este novo departamento da
Académica, entusiasmou muita gente que queria a Briosa de volta, mesmo que
ferida na sua identidade de um passado que jamais voltará. O tempo da laranjada
e do pirolito como prémio de jogos. De uma Académica de estudantes – jogadores
que deliciava os adeptos e os amantes do futebol, com Mestre Cândido de
Oliveira como bandeira de uma Instituição diferente, que lhe valeu glória,
invejas, amigos e inimigos.
Breve, no final deste mês, os sócios da Briosa vão ser
confrontados com mais uma Assembleia Geral da Académica – Organismo Autónomo de
Futebol. Da convocatória, não passam
despercebidos, dois pontos da agenda:
- O primeiro ponto, a análise,
discussão e votação se a modalidade de futsal
deve continuar. Que o mesmo é dizer, querer extinguir a secção tal com a aconteceu com o basquetebol;
- O segundo ponto, a análise, discussão e votação dos bens imóveis a apresentar
como garantia (hipoteca) para pagamento de dívidas resultantes de processos
movidos pela Segurança Social e Autoridade Tributária.
Há castelos de nuvens negras no horizonte. Numa simples
convocatória, o pressentimento de uma morte anunciada a médio prazo. Para
desgosto dos amigos da Briosa. E gáudio dos seus inimigos, que também existem,
mesmo dentro das suas portas. São vaidades, ambições e obscuros desígnios, a
ditar as suas leis.
Se isso acontecer, se a Académica
possível, digo profissionalizada, no contexto das exigências da competição
profissional, não resistir aos novos desafios da sociedade atual, as gerações
vindouras lembrarão que houve uma Briosa que jogou entre os maiores e que em
tempos de glória, chegou a percorrer palcos europeus. E, nas estantes cobertas
de pó, lá estarão duas Taças de Portugal. Duas relíquias.
Talvez num futuro longínquo, possa haver um novo impulso de
netos a querer procurar homenagear os avós, com o reaparecimento de uma nova
Académica. Uma espécie de regresso a uma utopia, a Charlie Chaplin e à saga de
“A Quimera do Ouro”. Esse filão de sentimento academista, que uniu e une
gerações de estudantes e futricas em torno da camisola negra.
Para onde vais Académica ?
Quito Pereira