domingo, 15 de janeiro de 2017

CHAMEM-ME PESSIMISTA

Com as profundas modificações que a Revolução Francesa trouxe, a partir de meados do séc. XIX o povo passou a ser o soberano, quando antes vivia em completa subserviência.
Com todas as vantagens daí advenientes, de liberdade, de melhoria de condições de vida, de dignidade, mas também com as inerentes responsabilidades.

Os cidadãos passaram a participar, embora parcialmente, no usufruto da riqueza produzida, que antes era concentrada integralmente nas mãos dos soberanos feudais, mas, em contrapartida, passaram a ser responsabilizados, através dos impostos, pela dívida soberana ( no fundo as dividas contraídas pelo Estado perante os credores nacionais e internacionais ).

Quando o Estado contrai empréstimos para financiar as suas próprias despesas de funcionamento, aumenta a dívida não reprodutiva, acrescida de elevados juros, que depois financia através de aumentos de impostos que os cidadãos pagam.
Este é o Estado que gasta mais do que deve, tendo em conta a colecta normal, aumentando-a para pagar a dívida contraída para fazer face ao excesso de despesa.

O Estado saudável é aquele que sustenta as suas próprias despesas com os impostos cobrados, se orçamentados com equidade e justiça, e que apenas contrai empréstimos para financiar projectos estruturais de desenvolvimento que a médio prazo aumentem a riqueza e possibilitem o pagamento da divida reprodutiva. Nunca o deveria fazer, ao contrário do que se tem visto em toda a Europa, para acorrer ao excesso de despesa.
No mundo ocidental, estas regras de equilíbrio foram sendo paulatina e crescentemente subvertidas assistindo-se hoje a uma escalada galopante de que não se descortina solução.
Fruto da ganância e da especulação desenfreada, em 2008 o sistema financeiro entrou em pânico e estabelecimentos bancários abriram falência um pouco por todo o mundo. Para não se repetir o cenário da grande crise de 1929, o governo dos EUA mobilizou recursos, transferindo encargos para os futuros contribuintes. Os governos europeus, de forma análoga, afectaram em 2008 e 2009 enormes recursos orçamentais aos bancos em dificuldades para estes evitarem a sua falência.

Estranho! Os impostos dos cidadãos a cobrirem o descalabro capitalista!

A chamada dívida soberana é uma dívida que as gerações actuais estão a transmitir às gerações futuras, que acabam sempre por pagá-la.
Por muito que custe a uma sociedade que se habituou a uma suficiente segurança de vida, é impossível manter o actual modelo social se os Estados não arrepiarem caminho. Mais cedo que tarde, essa redefinição vai ter de ser feita. Aliás, já começou. Vejam-se os casos do aumento da idade da reforma, dos cortes de subsídios sociais, de abolição de incentivos fiscais, etc., etc...

Não que isso fosse uma fatalidade. Só sucede porque os governos ocidentais deixaram que o sistema financeiro se sobrepusesse às boas práticas políticas, comandando-as.
Esses, os especuladores, que são quem justamente devia sofrer as consequências da sua ganância, serão aqueles que, protegidos pela almofada dos lucros ilegitimamente amealhados, acabarão por passar incólumes pela desgraça que vai penalizar os que não têm culpa.

Não nos iludamos! Com a condenação dos culpados ou não, o sistema social que o fim da II Guerra Mundial nos trouxe vai entrar em falência...

Rui Felício

(Postado por Rui Felício em 08-10-2010)

5 comentários:

  1. São textos de grande valor e que passados quase 7 anos vale bem a pena serem reeditados
    Obrigado eu, Rui

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  2. É sem dúvida um texto de grande qualidade e uma análise bastante realista do que se está a passar e do que aí virá. Infelizmente, o Rui tem razão.

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  3. Bom texto. Volvidos seis anos sobre esta reflexão do Rui, não dá nem para riscar uma linha. Fraudes gigantescas com engenharias financeiras em carrossel, lesando o Estado em milhões de euros. Apesar do empenho de alguns, é uma luta de David contra Golias. Adivinham-se dias negros no futuro ...

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