Cristiano Ronaldo: um poeta! (artigo de Manuel Sérgio)
Eusébio
Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão
Havia nele o touro e havia a corça
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro fogo e sua matemática
Buscar o golo mais que golo – só palavra
Abstracção pronta no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema
E o mesmo Manuel Alegre, desportista e político e poeta (dos maiores do nosso tempo) cantou assim o Chalana:
Eis a página em branco
O gesto como palavra
Cada jogada uma aventura
Como o poeta ele fará
O que menos se esperava
Escreve por todo o campo
Como o poeta procura
O poema que não há
Acabaste?
- Acabaste?
- Meu amor, acabei.
- Apagaste a candeia? Apagaste?
- Meu amor, apaguei.
- E fechaste o postigo? E fechaste?
- Meu amor, sim, fechei.
- Que rumor é aquele? Não sentes?
- Meu amor, que te importa?
- É a vida a dar socos na porta.
- É lá fora. São eles. É o mundo. São gentes…
- São gentes? Quem são?
- São colegas, amigos, parentes…
- Vai dizer-lhes que não! Vai dizer-lhes que não!
Diante de um espetacular golo de Cristiano Ronaldo e de um poema de um inolvidável poeta, onde se encontra mais poesia? Tanto no Cristiano Ronaldo, como no poeta! Em ambos, descobre-se uma criação do homem pelo homem; em ambos, o ponto de partida é o ato criador e o ponto de chegada é o universo humano dos possíveis; em ambos a arte é um símbolo moral. Cristiano Ronaldo: um poeta? Para mim, é e… sem sombra de dúvidas! Antes de Ronaldo, no futebol, o ser humano era, vezes sem conta, pura possibilidade! Depois de um programa que vi, na televisão, sobre Cristiano Ronaldo, escrevi esta minha crónica. Depois das lancinantes alegorias de Kafka à metamorfose de um homem em verme; depois das “técnicas de aviltamento”, perpetradas por toda a sorte de cobardes - delicia-me contemplar um golo de Ronaldo. O Cristiano Ronaldo, pela sua força irradiadora, pela sua pujança, pelo seu inconformismo - uma criatura viva e não uma natureza escondida e morta!
Manuel Sérgio é professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto
Venho sublinhando, há muitos anos já, que o desporto é o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo. Um fenómeno cultural, ou seja, autobiografia de um grande sentimento, em que a razão se transcende. O poeta é mais do que razão, é vate, vaticina portanto a parcela de Céu que a Terra pode ser. O poeta é isso mesmo: porta-voz do que para a maioria parece insondável, desconhecido, inexprimível. Por que não dizermos: divino? E portanto o poeta é o porta-voz do que de divino existe dentro de cada um de nós. Demais, Jesus assim o disse: “o Reino de Deus está dentro de cada um de vós”. Relembro aqui o Manuel Alegre, uma das minhas primeiras admirações literárias, desde o tempo em que o comecei a ler, na Faculdade de Letras (em 1962, se não estou em erro).
Eusébio
Havia nele a máxima tensão
Como um clássico ordenava a própria força
Sabia a contenção e era explosão
Havia nele o touro e havia a corça
Não era só instinto era ciência
Magia e teoria já só prática
Havia nele a arte e a inteligência
Do puro fogo e sua matemática
Buscar o golo mais que golo – só palavra
Abstracção pronta no espaço teorema
Despido do supérfluo rematava
E então não era golo – era poema
E o mesmo Manuel Alegre, desportista e político e poeta (dos maiores do nosso tempo) cantou assim o Chalana:
Eis a página em branco
O gesto como palavra
Cada jogada uma aventura
Como o poeta ele fará
O que menos se esperava
Escreve por todo o campo
Como o poeta procura
O poema que não há
O específico da poesia e afinal de toda a arte é transcendência, superação do prosaísmo da vida, uma dimensão especificamente humana, inédita no reino da Natureza. Fazer poesia é, afinal, tornar visível o universo desconhecido dos possíveis. Recordo, agora, o poeta José Régio:
Acabaste?
- Acabaste?
- Meu amor, acabei.
- Apagaste a candeia? Apagaste?
- Meu amor, apaguei.
- E fechaste o postigo? E fechaste?
- Meu amor, sim, fechei.
- Que rumor é aquele? Não sentes?
- Meu amor, que te importa?
- É a vida a dar socos na porta.
- É lá fora. São eles. É o mundo. São gentes…
- São gentes? Quem são?
- São colegas, amigos, parentes…
- Vai dizer-lhes que não! Vai dizer-lhes que não!
Diante de um espetacular golo de Cristiano Ronaldo e de um poema de um inolvidável poeta, onde se encontra mais poesia? Tanto no Cristiano Ronaldo, como no poeta! Em ambos, descobre-se uma criação do homem pelo homem; em ambos, o ponto de partida é o ato criador e o ponto de chegada é o universo humano dos possíveis; em ambos a arte é um símbolo moral. Cristiano Ronaldo: um poeta? Para mim, é e… sem sombra de dúvidas! Antes de Ronaldo, no futebol, o ser humano era, vezes sem conta, pura possibilidade! Depois de um programa que vi, na televisão, sobre Cristiano Ronaldo, escrevi esta minha crónica. Depois das lancinantes alegorias de Kafka à metamorfose de um homem em verme; depois das “técnicas de aviltamento”, perpetradas por toda a sorte de cobardes - delicia-me contemplar um golo de Ronaldo. O Cristiano Ronaldo, pela sua força irradiadora, pela sua pujança, pelo seu inconformismo - uma criatura viva e não uma natureza escondida e morta!
Manuel Sérgio é professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto
"A Bola" fala de Chalana e eu falo do Bentes. Bentes também gozou da pena inspirada de Manuel Alegre na "Balada do Bentes". Deixo aqui o meu tributo a essa figura mítica da Académica de tempos passados ...
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