O Pedro, finalista do curso de desenho e pintura das Belas Artes, foi incumbido pelo professor de pintar um nu feminino, segundo os moldes clássicos.
Preparou a tela, montou-a no cavalete, reuniu as tintas e os pincéis e colocou estrategicamente todo o material num recanto das águas-furtadas que tinha arrendado no Bairro Alto quando veio estudar para Lisboa.
Arrastou um velho sofá para debaixo da janela aberta no telhado, lugar onde incidiam os raios solares, que a poeira em suspensão ajudava a desenhar, como setas apontadas ao velho cadeirão.
Cobriu o sofá com um grande pano de cetim vermelho que a Escola lhe facultou.
Agora, só faltava encontrar o modelo que se dispusesse a posar durante uma ou duas semanas, naquele quarto andar esconso onde morava o Pedro.
Tentou a colaboração de uma das suas únicas três colegas de curso. Mas uma estava grávida e declinou o convite. Outra, tinha acabado de casar e o marido não iria concordar. A terceira não podia porque era mãe solteira e todo o tempo era pouco para assistir às aulas e tratar da filha.
Um colega sugeriu-lhe que tentasse encontrar alguém no corpo de baile de alguma das duas revistas em cena no Parque Mayer.
No fim do espectáculo a que assistiu nessa noite, pediu para falar, no camarim, com uma das bailarinas que tinha observado todo o tempo, dizendo-lhe que era aluno das Belas Artes e que era por isso que precisava de falar com ela.
Fazia-o em nome da conhecida solidariedade entre artistas.
Ela acedeu a ouvi-lo. Alta, corpo escultural, longos cabelos negros, olhos negros profundos, lábios grossos sensuais, pernas longas, o peito bem desenhado que o pequeno soutien mal cobria.
Durante quinze dias, diariamente, a bailarina subia às aguas-furtadas do Pedro, desnudava-se, deitava-se no sofá, o braço direito flectido, a mão apoiando o queixo, os cabelos negros espalhados pelo ombro e cobrindo parcialmente o seio esquerdo.
As coxas fartas abandonadas sobre o cetim vermelho deixavam entrever a mancha escura que lhe rodeava o sexo.
Concluída a obra, dados os retoques finais, o Pedro apresentou o trabalho na escola.
Tecnicamente estava perfeito, elogiou o professor.
E artisticamente era uma inesperada originalidade!
O professor pediu-lhe que cedesse a pintura à escola, para servir de exemplo aos futuros alunos.
Ainda hoje lá está exposta. A vistosa bailarina era um travesti…
Rui Felício
JUL2010
Preparou a tela, montou-a no cavalete, reuniu as tintas e os pincéis e colocou estrategicamente todo o material num recanto das águas-furtadas que tinha arrendado no Bairro Alto quando veio estudar para Lisboa.
Arrastou um velho sofá para debaixo da janela aberta no telhado, lugar onde incidiam os raios solares, que a poeira em suspensão ajudava a desenhar, como setas apontadas ao velho cadeirão.
Cobriu o sofá com um grande pano de cetim vermelho que a Escola lhe facultou.
Agora, só faltava encontrar o modelo que se dispusesse a posar durante uma ou duas semanas, naquele quarto andar esconso onde morava o Pedro.
Tentou a colaboração de uma das suas únicas três colegas de curso. Mas uma estava grávida e declinou o convite. Outra, tinha acabado de casar e o marido não iria concordar. A terceira não podia porque era mãe solteira e todo o tempo era pouco para assistir às aulas e tratar da filha.
Um colega sugeriu-lhe que tentasse encontrar alguém no corpo de baile de alguma das duas revistas em cena no Parque Mayer.
No fim do espectáculo a que assistiu nessa noite, pediu para falar, no camarim, com uma das bailarinas que tinha observado todo o tempo, dizendo-lhe que era aluno das Belas Artes e que era por isso que precisava de falar com ela.
Fazia-o em nome da conhecida solidariedade entre artistas.
Ela acedeu a ouvi-lo. Alta, corpo escultural, longos cabelos negros, olhos negros profundos, lábios grossos sensuais, pernas longas, o peito bem desenhado que o pequeno soutien mal cobria.
Durante quinze dias, diariamente, a bailarina subia às aguas-furtadas do Pedro, desnudava-se, deitava-se no sofá, o braço direito flectido, a mão apoiando o queixo, os cabelos negros espalhados pelo ombro e cobrindo parcialmente o seio esquerdo.
As coxas fartas abandonadas sobre o cetim vermelho deixavam entrever a mancha escura que lhe rodeava o sexo.
Concluída a obra, dados os retoques finais, o Pedro apresentou o trabalho na escola.
Tecnicamente estava perfeito, elogiou o professor.
E artisticamente era uma inesperada originalidade!
O professor pediu-lhe que cedesse a pintura à escola, para servir de exemplo aos futuros alunos.
Ainda hoje lá está exposta. A vistosa bailarina era um travesti…
Rui Felício
JUL2010
Nota: O episódio veio-me à lembrança quando há dias o Quito aqui aflorou o tema do Teatro de Revista, a que está indissociavelmente ligado o Parque Mayer.
O Rui "mentiu-me". Disse-me que iria agora dar uma trégua aos seus escritos, dando a vez aos outros amigos. Bem, mas lá se resolveu a enviar este texto, curioso, no mínimo. Li com atenção e sempre a pensar qual seria a apoteose final, uma vez que, por vezes, faz textos com finais imprevisiveis, fruto da sua inesgotável imaginação. E não me enganei.Só me surpreendi porque a estória não era ficcionada.É real.
ResponderEliminarUma estória com a marca do Rui Felício!
ResponderEliminarAinda bem que não deu tréguas aos seus escritos, como comenta o Quito, pois assim foi mais um texto que delicia quem o ler!
E tu Dom Quito também não dês tréguas á tua imaginação...nem aos dedos...carrega nas teclas do computador!
Diz o Quito que a estória é real. Talvez seja, se o afirma é porque terá tido essa informação do nosso contador de estórias.
ResponderEliminarQuando leio Rui Felício fico sempre com a sensação de que nos seus contos existe sempre um ponto de partida que é real, uma base da estória que é verdadeira na qual é colocado o manto da inesgotável imaginação do autor.
O seu enorme poder de observação dá-lhe o mote, a sua capacidade de fantasiar, alternando o humor com a nostalgia, mesclando a realidade com o ficcionismo, dá-lhe tudo o resto que lhe possibilita a criação de contos que poderiam rivalizar com autores consagrados da nossa literatura.
Evito, como já se terá percebido, trazer aqui elogios aos textos que nos são oferecidos. E evito porque, ao fazê-lo, estou a arrogar-me num direito que não tenho que é o de expor publicamente apreciações que são meras opiniões pessoais.
Mas silenciar o meu apreço sistematicamente poderá levar, a quem lê os meus comentários, à errada conclusão de que sou indiferente à qualidade da escrita que nos é oferecida.
O que é absolutamente falso!
Retenho na memória muitos dos contos do Rui Felício e considero-os dos mais belos nacos de prosa que tenho saboreado. Prosa que, muitas vezes, nos transmite a poesia que lhe está noa alma.
.....................
Portanto, meu caro Felício, não sejas egoísta e continua a dar aos nossos olhos o produto da tua inesgotável imaginação.
O mesmo pedido para o Quito, secundando o do Rafael:
Por favor, toca a dedilhar.
Um grande abraço para ambos.
Carlos Viana.
Como sempre, grande imaginação, elegância na escrita e um inteligente uso do absurdo.
ResponderEliminarUm mestre!
Bem aventurados os crentes, porque deles será o reino dos céus.
ResponderEliminarPor raciocinio "a contrario" se pode dizer que aquele reino está vedado a quem não crê.
Porque gosto dele, porque lhe desejo a bem aventurança, sugiro ao Carlos Viana que acredite e que desfaça as dúvidas quanto à veracidade deste episódio...
Com efeito, o caso passou-se com o Pedro Tabuada, também amigo do Zé Luis Português, nosso contemporâneo do Bairro e que o pode testemunhar.
Numa coisa, porém, o Carlos tem razão: parte do que eu digo não é factual. Mas o essencial é.
Posto de lado este esclarecimento em tom de brincadeira, agradeço-lhe, agora de forma séria e sentida, a ele e aos outros que aqui comentaram, as amáveis palavras que tanto me sensibilizam.
Hà meses um colega meu também teve uma experiência do género em Paris. Meteu-se numa linda e ardente discussao com uma lindissima Brasileira (aqui jà devia ter desconfiado, se fosse Português e tivesse visto telenovelas) e quando chegou o momento de "penetrar na Amazonia" ficou louquinho ao ver uma enorme sequoia bem de pé!!!Fugiu apavorentado!!
ResponderEliminarMoral da história - sempre se pinta melhor se houver mais do que um pincel.
ResponderEliminarE o BRONZE da bailarina?
ResponderEliminarEstáva em conformidade com o articulado?
Tonito.
Nem preciso dizer nada sobre a qualidade de escrita e da maneira de contar estes episódios que tão bem o Rui sabe fazer!...
ResponderEliminarSobre a história em questão, vieram-me à lembrança, dois episódios que um dia contarei ao Rui para ele os escrever, tão bem como só ele o sabe fazer.
Gostei!
Amigo Tonito, o bronze da bailarina era de alto gabarito. Quem sabe se o "Ferrari" que o Quito viu em Lagos não era da mesma fornada.
ResponderEliminarPorque enganos qualquer tem e nem sempre o que parece, é...
Olhem-me para a distinta lata do Moreirinhas!
ResponderEliminarDiz que tem dois episódios para contar mas que vai encomendar ao Rui que os escreva.
Muitos de nós lhe conhecemos a capacidade narrativa com que transforma uma pequena anedota numa grande anedota. Muitos de nós já se riram a bom rir com o seu apurado sentido de humor.
E balda-se assim? Está armado em Conde de Azurva, encomendando tarefas aos seus súbditos.
Penso que merece severo castigo só não sei qual.
Felício, QUID JURIS ?
( acabei de chegar da minha quarta aula de latim )
Carlos Viana.
O Carlos Viana é um aluno aplicado. Já usa a sacramental pergunta latina que aterrorizava os alunos de Direito...
ResponderEliminarMeu Amigo,
A proposta do Alfredo configura um contrato de empreitada comigo em que aquele é o Dono da Obra e eu o empreiteiro.
O clausulado dos contratos é livre, pressupõe espelhar a vontade das partes, e é valido "erga omnes".
Para ser eficaz deve conter a indicação do preço e uma cláusula penal para o caso de haver incumprimento.
São estas duas disposições que ainda falta acordar.
Especialmente a primeira...
Ao ler todo este latinório,apenas me fixei na expressão"erga onmes"que,ao que entendi, não terá acontecido ao modelo escolhido pelo candidato a pintor!
ResponderEliminarO autor do texto é bom,já é sabido,os aprendizes de latim,lentamente,vão progredindo,uns baldas querem passar a pasta...
Será que o rapaz conseguiu pintar o quadro?
De que lado estaria?
Há uma certa ambiguidade na descrição.
No momento da criação artística, o pintor secundariza os impulsos carnais em favor da sua obra.
ResponderEliminarJulgo, portanto, que terá sido indiferente o lado em que se encontrava...
Mas que pintou o quadro pintou!
O resto, sei mas não digo. Será objecto de uma nova história que escreverei um dia.
E que, provavelmente desfará a ambiguidade.
Deixa de ser "ambiguitas latens" para ser "ambiguitas patens"...