Nesta cascata indecorosa dos
subornos, resultados viciados e envelopes por debaixo da mesa no desporto
profissional, em que as modalidades ditas amadoras são pagas a peso de ouro a
atletas também eles ditos amadores, o país vai olhando todos os dias para os
mais diferenciados personagens de um desfile de mau gosto. Maior é a feira,
quando se trata de futebol profissional e dos milhões de euros e de interesses
instalados, de uma atividade globalmente mal frequentada. Desde os novos
escravos e seus mercadores do século XXI , passando por trafulhas, agiotas
e gente insolente com o culto da sua
própria personalidade, encontra-se de tudo. Depois há os outros. Os que são
genuinamente amadores. Aqueles para quem o cifrão, é substituído pela bandeira
da fraternidade e da convivência sã.
De Salgueiro do Campo, nestes
dois últimos fins de semana, não me chegou o cheiro vil da corrupção. Chegou-me
antes o aroma dos frangos assados e das febras grelhadas, do som do tilintar
das garrafas de cerveja em brindes entre povos de quatro aldeias, a disputar um
torneio de futebol: Salgueiro do Campo, Rochas de Cima, Freixial do Campo e
Tinalhas. Venceu o melhor, que levantou a Taça. Sem remoques, nem conferências
de imprensa.
Conheci aquelas gentes. O que
outrora eram batalhas campais em jogos de bola disputados com determinação,
hoje, o ardor da luta também lá está, mas com outros protagonistas. Aqueles
que, assumido a sua faceta campesina, dão lições de como o desporto amador, é a
pérola do verdadeiro espirito de competição.
Destes torneios entre aldeias,
lembro as taças que vinham pedir à Farmácia do Salgueiro, o que nunca lhes foi negado. Com alguma
nostalgia, lembro o dia em que a Associação Recreativa do Barbaído,
organizadora de um torneio, nos pediu um troféu. O Barbaído, pequeno povoado
encravado entre montes onde impera o silêncio, é conhecido pelo “centro de
mundo”, vá lá saber-se o porquê. Passeando
pela cidade, vi uma bela e vistosa taça numa vitrina, por um preço módico.
Comprei o troféu, que lhes entreguei. Ficaram deslumbrados com a oferta, e no
fim do torneio, acharam por bem oficializar um agradecimento, em carta timbrada
com o logotipo da Associação. Um reconhecimento pouco protocolar, atendendo ao
teor do documento, que não era de palavras de circunstância ou de palavras vãs.
Estava ali muito do coração da gente simples.
Para rematar, da bela povoação de
Tinalhas das casas solarengas e senhoriais, que também tem como padroeira Dona
Isabel de Aragão, que ali é venerada em imagem que é cópia da que se encontra
no Convento de Santa Clara em Coimbra, recordar o Terceiro Visconde de Tinalhas,
Dom José de Meireles Coutinho Barriga da Silveira Castro e Camara e o seu
espírito filantropo. Conta o povo, que um dia o Senhor Visconde foi ver um jogo
de futebol no terreiro onde têm lugar as Festas da Padroeira, e não percebendo
nada de futebol, ficou muito condoído por ver
vinte e dois rapazes muito transpirados, de calças arregaçadas até ao
joelho, em mangas de camisa e socas nos pés, a lutar bravamente pela mesma bola
e, num gesto magnânimo, mandou um capataz ir à cidade comprar uma bola para
cada um, para que não houvesse mais zaragata. Promessa honrada e cumprida de
Visconde. Naquele tempo, o desporto – rei dava ainda os seus primeiros e
incipientes passos em todo o mundo.
São narrativas de ontem, de hoje
e de sempre, verdadeiras ou fruto da imaginação popular na exaltação dos seus
mais predicados filhos. Tinalhas e os seus Viscondes. Tinalhas e a sua história.
Q.P.
Texto muito oportuno especialmente muito em foco no presente momento.O tempo de quem ama dorsó por prazer já lá vai há muito tempo.E para não haver equívocos os clubes ricos do futebol já lhe chamam apenas "modalidades desportivas".Esses desportistas de Salgueiro do Campo e arredores nesses tempos remotos eram mesmo amadores...mas agora já lá nem devem sequer haver jovens.,.pois foram para as grandes cidades ver jogar os pseudo amadores, ou talvez também o serem...
ResponderEliminarSão sinais dos tempos!
Postagem mesmo em cima da hora.
ResponderEliminarNos tempos passados, dizia-se que se podia falar em mulheres, padres e futebol.
Quando regressei a Portugal. só se falava de política e com clivagens impensáveis, aonde até um Eusébio era demagogia. O que faria o Brasil do Pelé ou nós hoje do CR7. Já me estava a esquecer que estes dois estão fora de Porgugal, por isso tudo bem. O mesmo já não acontece com o Pinto da Costa mas como é um sobrevivente de todas as calamidades, até o respeitam.
Só que como tudo "evolui", essas clivagens impensáveos apresentam-se galhardamente no futebol português pelo que se vê cá de fora mas que não compreendo e francamente, já tenho idade para não estar interessado numa cultura tão elevada.
É verdade, Quito. Penso que o que se passa em Portugal com o futebol nem daá para compreender, o que é muito triste.
Um abraço e esperemos tempos melhores para o futebol.
Julgo que há um aspeto a acrescentar:, a forma como a comunicação social por necessidade de ter espaço na sociedade e por obrigação de corresponder a quem a sustenta, trata o desporto profissional. Por mim tenho confiança de que saberemos conquistar um futuro em que este espetáculo seja ultrapassado e então o desporto amador voltará a ter a importância que merece.
ResponderEliminarJá agora permitam-me que corrobore a oportunidade do texto e registe a sua elevada qualidade.