Pensa um homem que anda anónimo, a percorrer a autoestrada do
norte a caminho do sul, quando nestas modernices que os novos carros oferecem,
o telefone tocou. Do lado da lá da linha, uma voz familiar suplicou – me em tom
amistoso:
- Óh pá, tens aí dez mil euros disponíveis para comprar um
brasileiro para a Académica, que está para desalfandegar num contentor de um
navio atracado no porto de Leixões?
A fumar um charuto cubano, perguntei ao meu preclaro amigo se queria em
dinheiro vivo ou cheque visado. A brincadeira acabaria por ali, não fosse a voz
tornar-se imperativa, para me dar uma ordem sem direito a resposta:
- Vais a Lisboa mas resolve lá a tua vida, que amanhã tens
que estar em Águeda, a lutar contra um galo de cabidela.
Fui a Lisboa e, de uma janela alta, vi uma vista privilegiada
da capital do reino. Depois regressei a Coimbra na brasa, sempre desconfiado
dos radares fixos, por muito que alguns digam que estão desativados. No dia
seguinte, lá partimos todos em procissão, como é costume. Após uma viagem com
muito trânsito e muitos semáforos, um compasso de espera fora do restaurante.
Uma espécie de estágio, agora que andamos em tempo de campeonato do mundo de
futebol. Minutos depois entrámos em campo, onde sentados numa mesa comprida,
vimos aterrar dois enormes tachos que
mais pareciam duas piscinas. Só faltava a prancha de saltos.
Bonito foi o repasto. E belíssimo era o arroz de cabidela,
bem condimentado, picante quanto baste para puxar ao tinto a escorrer pelas
gargantas. A conversa animada e as estórias de outros tempos de um bairro que é
o nosso. Dos tachos não restou nada. Dos confrades, apenas ficou a confissão do
costume de que comeram de mais, enquanto afagavam as barrigas redondas como um
tambor, sob o olhar reprovador do elemento feminino, muito mais comedido na
arte milenar e gloriosa de dar ao dente. Ainda não refeitos, derramaram-se sur
la table dois bolos – rei apetitosos, que mais parecia tempo de Natal. Nem a
falta de adereços natalícios tirou o apetite aos circunstantes, que se lançaram
aos bolos como se ainda não tivessem almoçado. De novo o padre Aníbal a dar
mais duas voltas na tumba, pois de nada lhe valeu os seus monocórdicos e
enfadonhos discursos sobre o pecado da gula. Nem um que também por lá apareceu
com nome Bíblico se livrou de um dedo acusador, naquela orgia de mastigação.
Ainda a horas decentes, regressámos a casa entre risos e
abraços. E, como nos contos infantis, vivemos todos para sempre muito felizes.
Menos o pobre do galo, uma evidência que nem carece de demonstração.
Q.P
Uma roda viva!
ResponderEliminarCoimbra-Lisboa-Coimbra-Valongo do Vouga-Coimbra...
Tudo por causa de uma cabidela de galo, é certo que não era uma cabidela qualquer.
Era uma cabidela de primeira.
Sacrificados? Apenas o galo!
Mais um excelente convívio com os amigos e amigas do costume dos almoços de domingo...com treino por vezes à quarta feira!
O da voz de Coimbra para amenizar o cansaço do condutor do carro cantou de galo metendo a Briosa na "cunversa", contentores, brasileiro, etc,etc, passando a guia de marcha para Águeda!
Havia dois que se tivessem galo...ficariam por Coimbra, ou talvez não!
Tudo correu bem, como é costume!
Até à próxima.
Foi na verdade muito bom. Aliás por aquelas bandas não é costume ficarmos mal, seja qual for o cardápio. Temos que começar a pensar num ensopado de cabrito ... com os condimentos de ontem. Deve ser de pôr a rapaziada a cantar o hino nacional ...
EliminarUma ida para sul, um migrante por dez mil euros que não se viu, um regressar em vôo razante a Coimbra, uma ida em procissão para Agueda como bons mininos para o elemento fiminino ver, um frango bem arrosado (o frango) por causa dos bolos reis que ninguém notou mas desapareceram e um retorno a casa a pensar já no futuro sem se deixar transparecer, não lhes vão chamar galicídeos.
ResponderEliminarEnfim… um simples treino de quarta-feira.
Agora, pelos vistos, além de domingo também já se "joga" à quarta feira. Deve ser contágio do campeonato do mundo de futebol que é uma overdose de pontapé na bola. Os nossos, agarrados a todos os Santos e ao pé -coxinho ainda por lá andam. Provavelmente, amanhã fazem as malas de regresso, o que não se deseja. Quanto ao galo de ontem, nem te conto !!!
EliminarUm abraço, Chico.
É por isso que o país não vai para a frente! Uns a trabalhar que nem uns galegos e outros a passear e comer refeições de primeira!... Desnecessariamente, porque um hambúrguer do McDonald's e uma coca-cola, faziam as mesmas vezes, com a vantagem de não precisarem de gastar gasolina...
ResponderEliminarNuma cimeira de alto nível no Samambaia, alguns dos confrades assumiram honestamente que tinham comido de mais, mas que a digestão foi perfeita. Nem foi preciso sais de frutos ...
EliminarMuito provavelmente, se comesse um naco de carne mastigada e uma coca- cola, lá teria que recorrer a uma médica amiga que reside lá para os lados de Aveiro, para me dar uma consulta pelo telefone de uma indisposição gástrica.
Resumo: quando o produto é bom o estômago agradece ...
PS - Já vos fazia a voar para Oriente ...
Abraço
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPor estas plagas brasileiras, também temos o famoso prato Galinha à Cabidela. Conheço a boa fama desta culinária, mas não por tê-la provado. Não me sinto confortável ao saber do ritual para se chegar a esse – dizem – saboroso prato. Tampouco um outro, feito, com o mesmo ritual – macabro! – com a carne da tartaruga.
ResponderEliminarFrescuras de lado, não sou tão inocente a ponto de desconhecer que as proteínas por mim ingeridas, todos os dias, são de animais, cujo abate também me deixa desconfortável. Mas é preciso fincar-se o “saco” em pé, porque vazio nada consegue
Mas a Galinha à Cabidela ainda não consegui encarar! Ainda não. Talvez por um bom tempo, não! Apesar de a minha vida, de uns anos para cá, ter sido de experimentar novos pratos, novos sabores (ontem, por exemplo, degustei um bom Ceviche (Cevite) em um Restaurante peruano, Mira Flores, feito com a carne de um dos maiores peixes de água doce, o nosso delicioso Pirarucu (por sinal, se fosse parar para pensar, também não o comeria, por estar sempre ameaçado de extinção).
Voltando ao falecido “Galo de Gabidela “, português, que foi vilipendiado pelos “confrades”, resta-me pedir à(s) viúva(s) – porque galo não tem somente uma amante; afinal, no seu harém, digo, galinheiro, ele até escolhe as galinhas mais faceiras e de bom cocoricó! – que rezem para não serem as próximas. Pelos vistos, eles, os confrades, já estão a programar novo encontro lá pelas bandas de Águeda, ou seja lá para onde for “intimado” o anônimo, que tanto pode fumar um charuto cubano, como a se empanturrar de galos de gabidela e bolos-rei , sem sequer sentir-se indisposto, e ainda a gabar-se do estômago.
Errata: Onde se lê: "Gabidela"
ResponderEliminarLeia-se: Cabidela