(foto net)
É um estrondo de som e de luz o entardecer na cidade. Potentes
colunas sonoras debitam música em grande gritaria dentro dos pequenos bares,
onde eles e elas falam e bebem em grande alvoroço e algazarra. Cá fora,
reclames de néon dão cor festiva à rua estreita semeada de restaurantes. Mesas
cheias de turistas, maioritariamente estrangeiros. Da barafunda e anarquia dos
bares, à serenidade das esplanadas de rua em hora de jantar. Gente elegante e
bronzeada pelo sol – alguns e algumas - falam em surdina, naquele ato de
degustação a céu aberto. Ouve-se o tilintar dos copos no cruzar de brindes
calorosos, e os empregados de camisa branca e calça preta afivelam um sorriso
de circunstância. Percorrem as mesas, passeando as bandejas do contentamento
dos estimados clientes e fazendo uma vénia quando a gorjeta é gorda.
É neste palco de contrastes, aqui e ali, junto às esquinas da
boa comida e do lazer, que ela pousa o velho estojo do violino no chão. Abre a
tampa com a delicadeza de quem cumpre uma exigência protocolar. Depois, ao
ritmo calmo da sua frágil figura e de uma cara magra de muitas privações, vai
tocando uma valsa. É uma valsa triste. O seu corpo de vento veste umas calças
sujas e uma blusa encardida de largo decote, que revela um pescoço de muitas
rugas e de décadas de vida. Surpreendente é que ela não toca. Faz que acaricia
as cordas, mas os seus dedos pequenos estão quase inertes. Percebe-se então que
é um minúsculo gravador escondido num trapo escuro do seu vestuário, que debita
a música que ninguém ouve. No chão, a seus pés, um recipiente de lata onde este
ou aquele veraneante mais condoído com a desgraça alheia, deposita um moeda de
um euro que, juntamente com algumas outras, dão para enganar o estômago com uma
frugal refeição, a tentar o milagre diário de sobreviver. São os acordes distorcidos
e roufenhos de uma valsa negra.
Q.P.
Mas ela ouve...ela sabe cada nota, não por já fazer de forma quase automática o mesmo ritual...É que o silêncio traz melodias.inimagináveis... enquanto o coração, decerto, escreve as letras.
ResponderEliminarHoje em dia é o que mais se vê nas cidades são os grupos ou apenas pessoas isoladas apelando através da música à generosidade de quem passa...nem todos pelo mesmo tipo de necessidades.
ResponderEliminarAlguns exibem mesmo talento, mas outros chamam a atenção de modo muito rudimentar. As moedas lá vão caindo e também mesmo a alguns mate a fome.
No caso da vilionista que te proporcionou este bonito texto pode aplicar-se o adágio popular, quem não tem cão caça com gato...
E como disse Fernando Pessoa: "A necessidade aguça o engenho".
ResponderEliminarÉ uma história triste. Dou por mim, a evitar pensar nas necessidades e privações dessa criatura.