Fio de prumo ...
Já aqui vos disse um dia, que fui chamado ao abrigo do
capitão da Companhia de Canjadude, que fez de mim professor à força. Pois, uma
força interior que me pôs na frente uma turma de crianças que nem sabia as
cores. Pegava num lápis da “Viarco” encarnado e perguntava aos meus
interessados alunos:
- Que cor é esta ?
A resposta vinha cruzada de várias direções. Uns diziam
amarelo, outros azul e outros ainda, verde.
Verde ficava eu, mas sobrevivi. Porém, todos passaram a saber escrever rudimentarmente
o nome. E a saber as cores. E igualmente que, um mais um é igual a dois. Para
que conste.
Cada vez que o Capitão Gil me chamava ao abrigo dele, ou
vinha pontapé ou canelada …
- Furriel Pereira, como está liberto dos trabalhos da escola,
vai ficar à frente do reordenamento militar, ou seja, construir as duas casas
que ainda faltam do lote de oito a concluir para os nativos, que o Alferes
Paulo acabou a comissão e vai para a metrópole …
- Óh capitão, eu ?! …
mas eu nem sei o que é um fio de prumo !!!
- Olhe, faça as paredes a olho, que vai dar ao mesmo !
Eu explico: reordenamento militar, era construir casas para a
população da tabanca de Canjadude. Os de Lisboa, na sua sapiência, queriam
fazer dos africanos europeus à força. Deixavam de viver nas suas cubatas, para
passar a habitar em casas de adobe com chapas de zinco como telhado. Com o calor africano, as casas muito
rudimentares de dois compartimentos, sem água, sem luz ou sanitários, eram uma
sauna que dava para assar frangos lá dentro. Habituados aos seus costumes
ancestrais, toda a gente recusou as novas habitações. E eu, no cumprimento da
minha espinhosa tarefa, lá me dediquei à minha missão de engenheiro e
empreiteiro de ocasião. Chegava junto das casas, recuava dez passos, fechava um
olho e com o outro observava a esquadria e, por vezes, a casa até parecia que
tinha o rigor do fio de prumo e dizia cá para mim de contentamento:
- Acho que esta vivenda vai ficar um luxo de habitação …
O trabalho de fazer os
adobes, era serviço de escravo. Numas formas retangulares em madeira, colocava-se
terra misturada com água. Tirava -se a forma e o adobe em formato de tijolo,
secava durante vinte e quatro horas e ficava mais rijo que um penedo. Era
esgotante e eu, quando o calor começava a apertar, dizia aos sacrificados
africanos:
- Vamos para a sombra descansar e beber água, que isto aqui
não é a prisão de Alcatraz …
O problema é que não havia interessados nas casas. Mesmo
gratuitas que eram. Exceto um, o homem mais abastado da tabanca, que tinha
todos os sinais exteriores de riqueza inerentes a um afortunado da vida. Uma
espécie de túnica azul ricamente trabalhada na zona do peito, um gorro na
cabeça, uns óculos de sol, uma bicicleta e um rádio portátil aos berros, do
tamanho de uma mala de viagem, que dava música que se ouvia até no palácio do
Governador em Bissau, davam - lhe o estatuto. Negociante nato e com faro para pechinchas, logo se
apercebeu que as requintadas moradias não tinham interessados e veio ter comigo
para eu lhe vender com indisfarçada cobiça, as vivendas ao preço da uva mijona.
Respondi-lhe que não e que nem sequer era parte interessada no negócio. Ele,
surpreso, perguntou-me então:
- Mas o senhor furriel, não é o empreiteiro da obra ???
Respondi:
- Não, sou apenas o capataz, para fechar negócio o Senhor tem
que se dirigir ao Palácio de São Bento, em Lisboa …
Q.P.
Por esta não esperava eu!
ResponderEliminarEmpreiteiro e Mestre de Obras de Casas/Saunas, feitas com todo o rigor sem fio de prumo, mas com olho de lince!
Não havia fio de prumo mas havia um militar com muito aprumo!
Texto com muito humor com "estórias" de guerra!
Não estava à espera de vir ler a esta hora uma estória política/militar mas o sô furriel tinha cota lá para S.Bento. :)
ResponderEliminarSabes, Quito, alguns ensinamentos na "marra", embora, à época, contestados por nós, nos servem de lições para o resto de nossas vidas.
ResponderEliminarMeu primeiro emprego (e continuo nele, lá se vão 43 anos) era somente o "Chefe" e eu. Um renomado cientista, especificamente, pesquisas com a cultura da Seringueira...
Bom...acho que dá um Conto.
Mais tarde eu conto.
Já vi! Promessa cumprida.
ResponderEliminarEstá na "calha" para publicação.
Olha Dom...mas quando falei, acima, nem se tratava do que lá deixei, em Rascunho. Mas me veio à mente aquela história...e segui logo ao impulso.
EliminarEm outra oportunidade...contarei essa do "Chefe".
Grata