(foto net)
Um dia apareceu naquela aldeia que foi seu berço. Nunca me tinha
visto mas deu-me um abraço. Depois falou-me com o à vontade de quem me conhecia
há muito tempo e apresentou-se como repórter de guerra de uma cadeia de
televisão francesa. Foi um tu cá tu lá, numa torrente de palavras que parecia
não ter fim. Olhei-o cético e curioso, a resguardar-me de um vendedor de banha
da cobra. Apenas me apercebi que tinha algum fundo de verdade no que dizia, quando me
exibiu um cartão “PRESS” que lhe validava a sua identidade profissional. Tinha
todos os condimentos para ser repórter. Era descontraído, descarado e de
palavra fácil, como pude constatar no dia em que me levou a reboque numa etapa
da Volta a Portugal em Bicicleta que passava em Castelo Branco em direção à
meta no Fundão. Atrevidamente, meteu o carro na caravana de apoio aos ciclistas
e quando a Brigada de Transito da Volta lhe fez sinal para parar, ele meteu com
vigor o braço de fora da janela do carro com o cartão na mão e gritou convicto:
“PRESS”. Tal ousadia valeu-nos o continuar na corrida e ele, no meio da
caravana, por vezes tirava a cabeça de fora do automóvel e dizia imperativo: Óh
Raúl, mexe-me esse traseiro !!! Mas o Raúl Matias não mexeu a bunda e lá chegou
ao Fundão no meio do rebanho. Mas o Camilo achou por bem fazer uma visita
cortesia ao pelotão, depois da esforçada etapa e, sempre de cartão na mão, lá
entrámos nos quartos do “Alambique de Ouro” e … meu Deus, aquilo parecia os
destroços de uma batalha, com ciclistas sentados no chão a gemer e outros
deitados na cama a levar soro naquele hospital improvisado. Era patético e eu,
à custa do descaramento do nosso repórter “francês”, observei o que muitos
portugueses nunca viram. O homem de quem vos falo, vive em Paris. Tinha uma
singular apetência por saias, o que não é defeito. Era um romântico e apaixonava-se
com facilidade e, naquele dia, passeando de bicicleta num jardim de Paris, viu
uma bela jovem de ar angelical. Ficou doido com a beleza dela e quase caiu da
bicicleta. Ela, sentada num banco, lia atentamente um pequeno livro e ele,
pedalando devagar e em círculos à volta do banco, olhava- a embasbacado com
tanta formosura. Havia uma diferença de idades razoável entre os dois e tudo
parecia condenado ao fracasso, se atentarmos até que ela lançou um olhar
reprovador e de enfado ao cavalheiro atrevido. Atrevido sim, ou não fosse ele
repórter de guerra, habituado a andar por muitos conflitos no globo e sujeito a
uma bala perdida. Mas era corajoso e persistente e, depois de abandonar o
parque parisiense, foi para casa e não dormiu. A donzela não lhe saía da cabeça
e que fazer senão na tarde seguinte montar de novo na bicicleta e rumar àquele
parque de Paris. E como a sorte protege os audazes, ela lá estava. O mesmo
banco. A mesma pose. O mesmo livro. O mesmo ar cândido e um cabelo de ouro a
escorrer pelos seus ombros frágeis. De novo a bicicleta a rodar em círculos em
volta da professora universitária, até que ela baixou o livro e sorriu-lhe com
um ar doce e entornou-se o caldo. Dali até se amarem numa velha mansarda da Cidade
Luz, foi um ápice. Fizeram juras de amor. De
um amor sincero e arrebatado. Um dia, apresentou - ma em Portugal. Era linda e
tinha uma voz meiga. Trazia pela mão os filhos, fruto daquele amor e ele olhava-a
feliz e dizia – me embriagado de paixão: ela é o meu anjo. Naquela mulher,
encontrou finalmente o seu porto de abrigo sentimental, afinal tão preciso para
quem tinha uma profissão perigosa, quando presenciou os ajustes de contas na
Roménia de Ceausescu, ou gelou de frio nas estepes da Europa de leste em missões
alto risco. Hoje, já não terá idade para aquelas andanças e o que percebo é que
o seu futuro já só passa pelos filhos e pela terna cumplicidade e o olhar
apaixonado e ardente de Michelle.
Q P.
Depois de ter lido com aquela sofreguidao habitual teus textos habilmente estroturados por teu cerebro é coracao... fiquei contente com o desfexo do mesmo... um fim FELIZ é sempre compensador para um comeco de mais um dia outonal... BEIJINHOS nao pares...
ResponderEliminarMais um texto onde através de uma escrita simples nos mostras mais um episódio dos muitos que tens para recordar pela tua longa passagem por terras do interior, no caso por Juncal do Campo lá para os lados Albicastrenses.Este até te levou a andar na corrida louca de uma volta a Portugal à boleia de um aventureiro jornalista credenciado com cartão de imprensa que derruba barreiras e onde não falta o enevitável Raul Matias incluído no pelotão ciclista.
ResponderEliminarInteressante a maneira ciclista do seu amigo conquistar a que viria a ser o amor da sua vida.
Tudo mostra que são amizades peculiares que percorreram a tua vida por estas terras que tantas saudades te deixaram.
Cá ficamos à espera de mais.
Um abraço
Bravo mais uma estória muito bem contada. Bravo!
ResponderEliminarLucinda, anda por aqui um enorme vazio. E mais não digo.
EliminarUm abraço
De fato, esses dias acessei o Blog e senti falta dos comentários "dele", inclusive.
EliminarCaro Rafael, espero que amanhã tenhas um bom dia de confraternização. Realmente este texto lembra-me o passado, como aqueles surreais 40 Km entre Castelo Branco e Fundão, na caravana da Volta. Também o lado negro do desporto profissional e o que vi no "Alambique" que bem conheces, no fim daquela etapa. Das muitas vezes que fui lá almoçar após aquele acontecimento, não podia deixar de lembrar aquela imagem patética de esgotamento e sofrimento de muitos ciclistas. Nunca mais vi o Matias, nem o Camilo, que era realmente um tipo muito especial. Muitas coisas me contou com pormenores sobre a sua profissão e riscos que passou, sendo o que presenciou na Roménia em muitos locais de Bucareste de execuções sumárias de rua, o marcou profundamente, apesar da sua frieza profissional, já lá vão tantos anos.
ResponderEliminarO texto foi metido mais ao menos na hora que me tinhas solicitado. O curioso é que tinha outro programado, mas ao dar os parabéns à Beth de Colmar, lembrei-me do Camilo e ainda ontem fiz o texto ao correr da pena. Tudo o que ali foi relatado é rigorosamente verdade, e foi pela boca do Camilo que não fez segredo nisso, que ele me contou como conheceu Michelle, na época professora numa universidade de Paris.
Um abraço
Já agora vamos ficar a conhecer um dos teus heróis no ciclismo e no qual falas neste texto
ResponderEliminarSocorro-me da NET
Raúl Matias: «No ciclismo limitei-me a andar dentro do permitido»
ATLETA DEIXA BICICLETA AOS 37 ANOS E NÃO TEM PROBLEMAS EM FALAR DO ”DOPING”
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RAUL Matias foi, até à Volta a Portugal deste ano, o ciclista que mais deu nas vistas no pelotão português, devido ao seu comportamento exuberante, por vezes até excêntrico e extravagante. Mas este estatuto acabou. O corredor decidiu colocar um ponto final na carreira, após uma fractura na rótula, que surgiu a dois dias do final da prova máxima nacional.
Acabou o ciclista, mas não o discurso polémico. O ”doping” continua a ser tabu para muitos, mas não para Raul Matias. Com grande facilidade, o ex-ciclista fala abertamente sobre o assunto: ”Sempre fui acusado, mesmo ainda enquanto ciclista amador, que corria à base de ’doping’. Mas a resposta que dou é o facto de ter competido até aos 37 anos e de ser, com esta idade, um dos melhores ciclistas portugueses. Muito poucos no activo fizeram e farão o que eu fiz, este ano, em algumas provas.”
Raul Matias assume, de resto, que não é ”nenhum santo” em matéria de ”doping”. ”Acontece que recorria aos químicos não dopantes. Procurava produtos que não constavam da lista de substâncias proibidas”, confessou o ex-ciclista, agora massagista da equipa do Benfica, sublinhando: ”O facto de usarmos estes produtos não significa que seja ’doping’. E prova disso é que cheguei aos 37 anos na máxima força, sem problemas de saúde. E poderia fazer mais duas temporadas ao mais alto nível”.
EPO: ”NÃO SOU CONTRA”
Se o ”doping” continua a ser um assunto tabu para muitos, falar da eritropoietina (EPO) abertamente com um ex-atleta parece quase impossível.
Mas Raul Matias continua ”na sua”.
”O meu hematócrito normal é de 44 por cento. Todos os que recorrem à eritropoietina e revelem uma percentagem até aos 49,9 não estão dopados. Eu limitei-me a andar dentro dos níveis permitidos. A partir daqui, cada um entenda o que quiser”, confessou Matias, prosseguindo descontraidamente: ”
Concordo que um médico administre EPO a um atleta, desde que ele não corra riscos.”
Raul Matias vai mais longe na análise que faz ao ”doping”, sublinhando que ”nunca fui contra a droga, quer na sociedade quer no desporto. Agora, cada um é que sabe se deve ou não tomar estes produtos”.
Durante os quase 18 anos em que foi ciclista, Raul Matias guarda, naturalmente, boas e más recordações das equipas que representou.
”Aquela equipa em que nada me faltou e que tudo tinha para dar a um corredor foi o LA Pecol. Foi pena não ter competido nesta formação durante mais tempo”, disse o actual massagista do Benfica, para quem, no entanto, houve dois momentos na sua carreira que lamenta. ”A minha passagem pelo Carnide, equipa que me ficou a dever dinheiro, e pelo Troiamarisco, que não me levou à Volta de 1998, quando era um dos ciclistas com mais valor na equipa.”
De resto, Raul Matias tem planos para o futuro fora do ciclismo, nomeadamente abrir duas lojas em Castelo Branco. Mas, para já, o ”bichinho” dos pedais fala mais alto. ”É difícil deixar a modalidade, depois de 18 anos a competir. O ciclismo é uma paixão.”
QUEM É QUEM
Nome: Raul Matias
Idade: 37 anos
Naturalidade: Almaceda (Castelo Branco)
Início de actividade como ci- clista: 1982
Profissional desde: 1986
Equipas: Tavira (3 anos), Salgueiros (2 anos), Carnide (3 anos); Maia (1 ano), Troiamarisco (3,5 anos), LA Pecol (1,5 anos)
”Palmarès”: campeão nacional de estrada em 1993; 19 vitórias como profissional (entre as quais no Alto de S. Macário e Fóia, esta na Volta); participação em 15 edições da Volta a Portugal
PAULA MARQUES
Caro Rafael
ResponderEliminarNão tenho heróis no ciclismo, nem em desporto nenhum. Apenas tive com Raúl Matias uma amizade sincera e grande admiração. Para lá da vertente profissional, Raúl era um homem muito simples e muito educado.Nos anos que com ele convivi, nunca ouvi aquele homem dizer um palavrão, por mais aborrecido que estivesse, o que era raro. Sempre um sorriso no rosto. Por causa de acidentes,um em prova e outro em treino, esteve duas vezes perto da morte e em coma. Fazia entre 120 e 150 Km por dia em treino. Quando na Volta subia a Serra da Estrela em treino, já o tinha feito algumas 20 vezes, até porque vivia relativamente perto. Era um bom trepador e descia como um louco. De doping contou-me muitas histórias que para aqui não interessam. Já agora e porque foi omitido, também correu pela Sicasal Acral,aliás altura em que o conheci.Dos dinheiros que não lhe pagaram, também uma figura conhecida do desporto e da politica já falecida, não honrou para com ele os seus compromissos, quando ele corria numa equipa com pergaminhos do sul de Portugal. Creio que vive agora na margem sul do Tejo, casou e já tinha um filho como me disse da última vez que estive com ele. Tem um irmão, advogado em Castelo Branco. Desejo-lhe o melhor, nesta nova etapa da sua vida.
Quito, podes dizer-me endereço desse jardim, em Paris? Quero ler um livro no mesmo banco... vai que alguém passeia em círculo, por mim, podendo até ser a pé mesmo...?!
ResponderEliminarOra, a esperança é a última que morre! (e já agora me lembro de ninguém ter uma sogra, ranzinza, de nome Esperança...).
hehehehe
Estao 7° na rua, 21 cà em casa! Depois duma pequena sesta e de ter visto que os cavalitos hoje renderam 62,65€, este teu belissimo texto, caiu mesmo a matar!!!Em PARIS, gosto imenso de passear pelo PARC MONCEAU, no 17e arrondissement. Tenho presenciado por multiplas vezes essa cena que tao bem descreves. So que os tempos mudaram, como canta o BOB DYLAN (The Times they're a Changing). O acesso de bicicletas a esse Parque é proibido! Os livros foram substituidos por Smartphones e tablettes, impedindo os olhares de se cruzarem!Quanto a pirôpos, as novas leis do Reinado Macron, impoem muito respeito! Conclusao: valha-nos estes teus excelentes rextos que nos transportam para horizontes longiquos, onde tudo ainda era possivel!!!Grande Abraço!
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