sexta-feira, 20 de maio de 2011

NOITE AFRICANA ...

" ... concórdia e paz em tempo de guerra ..."

A noite apresentava-se quente e húmida. Na penumbra do abrigo, apenas o pequeno candeeiro junto da minha cama, irradiava uma luz coada e baça, projectando as sombras do parco mobiliário, contra as paredes frias daquele monstro de betão. Nem a ventoinha do tecto, amenizava aquele calor sufocante e doentio. Sentado num banco tosco de tronco de palmeira, eu alinhava as palavras, carregando para o papel os meus pensamentos distantes. Recordava os meus pais, o meu bairro, os meus amigos e a minha cidade. De volta da lâmpada, os insectos zumbiam num estranho bailado, até que uma borboleta, de asas multicolores, pousou na folha amarela do aerograma. Olhei-a com curiosidade. Não se movia. Parecia envolvida com a minha saudosa prosa. Sorri. Criou-se entre nós uma empatia, que me levou a escrever vagarosamente a carta, para que ela comungasse daquele meu momento de solidão. Decididamente, não queria que ela partisse. Apetecia-me partilhar, com o minúsculo ser, aquela noite africana. E assim foi, por muitos minutos. Subindo e descendo cada uma das asas, alternadamente, o singelo animal alado, parecia comungar daquela amizade que eu lhe oferecia. Com a ponta da minha pena, fui-lhe confidenciando os meus segredos, angústias, medos e esperanças. Depois, inopinadamente, partiu voando em círculos, atravessando a porta do abrigo, em direcção aos segredos da noite estrelada. Pousei, docemente, a caneta. Recordei aquele hino à natureza, materializado nas asas coloridas da minha companheira solidária. Fechei então a mensagem, e com as mãos atrás da nuca à guisa de travesseiro, deitei-me no humilde leito de ferro, cerrando os olhos e deixando-me embalar nos meus sonhos, voando nas asas de quem me levou, por momentos, ao êxtase das cores, que me transportaram ao Olimpo da concórdia e da paz, em tempo de guerra …
Q.P.

9 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Anteontem, estranhando a ausência do Quito no blog e, por que não confessá-lo, preocupado com alguma indesejável indisposição de saúde,telefonei-lhe para saber a razão do seu invulgar distanciamento.
    Sosseguei ao saber que tudo era motivado por "cansaço" do seu computador que teve que ser internado para "análise ao teclado" que se recusava a colocar acentos nas palavras que deles necessitavam.

    Felizmente a doença informática foi debelada e eis-nos de novo a ususfruir do inconfundível desfiar de recordações em ambiente que tão bem conheci.
    Cúmplice do Quito,a bela borboleta quis ler ( quem não quer? ), a sua melancólica e bem estruturada escrita. Para se deliciar e, sabe-se lá, para a transportar secretamente aos destinatários longinquos...

    O teu regresso, meu amigo, é indispensável a quem, como eu, carece e gosta de te ler...

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  3. O Quito enquanto nas suas saudades escrevia uma carta importunado por mosquitos à volta da lampada, foi interrompido por uma borboleta de paz que no momento da partida com as suas voltas lhe disse adeus mas que se estendeu noite dentro nos seus sonhos, voando na leveza das suas asas. Lindo artigo.

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  4. E o regresso,Quito, trouxe-nos um invulgar colorido de uma borboleta africana...o texto é belo quão o minúsculo ser que te "transportou"deliciosamente ao Olimpo...

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  5. Pois é Quito:
    O Rui Felício não se quedou por estranhar a tua ausência.
    Telefonou e ficou descansado.
    Era o que eu devia ter feito!
    Os escritores são mais solidários entre si!
    Eu ue pensava nalguma indisposição da almoçarada nos Três Pinheiros, afinal foi o computador que apanhou por tabela!
    E assim já com tudo normal bindáste-nos com mais este brilhante texto!
    Um abraço!

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  6. Acabei de receber uma mensagem que tenho de vos transmitir. Não me levem a mal mas não ficaria bem com a minha consciência se não o fizesse.
    Então lá vai:

    # Tenho, na minha curta vida mas já longa, vivido muitas alegrias, tenho sido muito feliz, tenho transmitido muitas preocupações e inquietações, tenho sentido muitos afagos e algumas revoltas, tenho tentado mandar para o meu mundo o alerta de muitas injustiças de todo o Mundo.
    Por aqui passam muitas das recordações de infância, da adolescência, da idade adulta.
    Por mim passam os mais nobres sentimentos de um ser humano.
    Estive doente, perto da morte mas o meu dono conseguiu restabelecer-me.
    Por isso, estou feliz. #

    TECLADO DO EURICO PEREIRA ( Vulgo QUITO )

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    Depois de ter ficado convencido que um simples espelho pode chorar, porque é que não vos hei-de tentar convencer que um teclado de computador pode falar?

    Abraço para AMBOS OS DOIS e para o resto da malta que tem paciência para ler as minhas descargas mentais...

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  7. Uma singela "estória" de amor de um "teclado" reconhecido pela afeição do seu dono!

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  8. E eu!!!??? Ando com um grave problema no meu teclado, pois o "t"...desapareceu, ou seja, deixou de alinhar nos meus disparates...ou não!!???
    Milagre!??? Já funciona! Fosca-se!!!! Isto é de loucos!
    Abraço ao Quito! Afinal voltei a colocar o martelo na prateleira das ferramentas!!!
    Depois conto-vois a "estoria" de um aluno que quando viu o papel de parede do quarto a arder...calmamente desceu as escadas, foi ao carro buscar o extintor...e voltou a sentar-se ao computador!!! E o papel de parede continou a arder! Esvava CONCENRADÍSSIMO no trabalho (relatorio) que teria de apresentar no dia seguinte!!!

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