talvez Madrid ...
A galope pela fita de alcatrão da estrada perigosa, o descanso
de chegar. De sentar à mesa do restaurante e beber um vinho italiano de região
demarcada. Ele, o Evis Andriguetti,
apresentou - se vestido de branco. Porque os italianos gostam de trajar
de claro e não fosse ele do berço de Verona. Juntou-se a nós num brinde a
cinco, com os amigos que nos
acompanhavam. Explicou a proveniência e as castas do vinho e depois retirou –
se, como mandam as boas regras da etiqueta. No fim do repasto, os amigos
partiram na redescoberta deste interior dos mil contrastes. Nós ficámos, a
olhar os cantos da casa que foi refúgio de muitos anos. E de espreitar pelas
janelas agora abertas, a imponência das serras da Estrela e do Moradal. Quando
a noite caiu trazendo consigo um vento morno a dançar na folhagem, descer a uma
esplanada. Olhar a cidade iluminada e observar este ou aquele caminhante em
passo lento, a sorver aquela aragem gentil. No espreguiçar da manhã, partir.
Consentir que as montanhas nos abracem. Ver gente campesina que nos reconhece e
há lágrimas de comoção. Conheço-os e sei que são sentidas. Em cada abraço, uma
memória. Em cada lágrima, um qualquer desgosto. Depois o sentar no café “Portas
da Serra”. Meditar e correr os olhos pela paisagem tão familiar. Ali, continua
a habitar o silêncio. Olhar o céu riscado pela rota cruzada dos aviões
comerciais. Muitas vezes, tantas vezes, sentado no muro branco à ilharga da estrada,
eu deitava-me a adivinhar aquelas rotas. Do lado nascente, eu previa a rota de
Madrid. Várias vezes a fiz e, lá do alto, como referência tinha sempre as
chaminés gigantescas da Central de Energia Térmica de Abrantes. Uma outra rota poderia ser a ligação de Faro
a Londres e que sobrevoava a aldeia singela. Pequenos aviões cor de prata
pintados pelo clamor de um sol soberbo e perdidos no céu, voando alto, muito
alto. Era apenas um exercício de imaginação, a tentar combater o marasmo dos
olivais semeados numa geometria dispersa na planície de muitos “chãos”
particulares, onde se vareja a azeitona em tempo de outono. Depois, o despedir
daquela gente simples e a promessa de
voltar. Este povo, aquele povo, não é de hipocrisias nem de risos de
circunstância. São eles de corpo inteiro e alma lavada. Tantas vezes lavada de
lágrimas de saudade dos ausentes. Dos ausentes que partiram para sempre ou que
andam para lá da fronteira. Buscam na religião, o conforto que necessitam para
ultrapassar o vazio das suas almas atormentadas. Nem sequer entendem quem, de
forma ligeira, desdenha deles e da sua fé avassaladora e inquebrantável.
Regressar à Cidade do Conhecimento. Fatigados, sentar numa
qualquer esplanada a descansar do volante e da jornada. E beber uma qualquer
bebida fresca, a pensar já com alguma nostalgia nos mistérios seculares da
montanha silenciosa que aguarda o nosso regresso, e no brinde simpático e
acolhedor, apadrinhado em saudável convívio com genuíno e aromático vinho
italiano.
Q.P.
Agora que descobri a sua veia de escritor, escondida nao sei porque à maioria de nos, seres HUMANOS, pouco habituados a este alimento tao necessario a nossas almas. Beijinho grande.
ResponderEliminarMais um bom texto, com muita realidade e alguma imaginação, própria dos bons escritores.
ResponderEliminarMais um excelente texto que começa lá pela estranha,passa pelo sacrificado interior com todos os problemas que resultam da desertificação...mas uma vez chegado à cidade do conhecimento uma esplanada e uma bebida reconforta o rspirito...
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