quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A VIAGEM ...




talvez Madrid ...

A galope pela fita de alcatrão da estrada perigosa, o descanso de chegar. De sentar à mesa do restaurante e beber um vinho italiano de região demarcada. Ele, o Evis Andriguetti,  apresentou - se vestido de branco. Porque os italianos gostam de trajar de claro e não fosse ele do berço de Verona. Juntou-se a nós num brinde a cinco,  com os amigos que nos acompanhavam. Explicou a proveniência e as castas do vinho e depois retirou – se, como mandam as boas regras da etiqueta. No fim do repasto, os amigos partiram na redescoberta deste interior dos mil contrastes. Nós ficámos, a olhar os cantos da casa que foi refúgio de muitos anos. E de espreitar pelas janelas agora abertas, a imponência das serras da Estrela e do Moradal. Quando a noite caiu trazendo consigo um vento morno a dançar na folhagem, descer a uma esplanada. Olhar a cidade iluminada e observar este ou aquele caminhante em passo lento, a sorver aquela aragem gentil. No espreguiçar da manhã, partir. Consentir que as montanhas nos abracem. Ver gente campesina que nos reconhece e há lágrimas de comoção. Conheço-os e sei que são sentidas. Em cada abraço, uma memória. Em cada lágrima, um qualquer desgosto. Depois o sentar no café “Portas da Serra”. Meditar e correr os olhos pela paisagem tão familiar. Ali, continua a habitar o silêncio. Olhar o céu riscado pela rota cruzada dos aviões comerciais. Muitas vezes, tantas vezes, sentado no muro branco à ilharga da estrada, eu deitava-me a adivinhar aquelas rotas. Do lado nascente, eu previa a rota de Madrid. Várias vezes a fiz e, lá do alto, como referência tinha sempre as chaminés gigantescas da Central de Energia Térmica de Abrantes.  Uma outra rota poderia ser a ligação de Faro a Londres e que sobrevoava a aldeia singela. Pequenos aviões cor de prata pintados pelo clamor de um sol soberbo e perdidos no céu, voando alto, muito alto. Era apenas um exercício de imaginação, a tentar combater o marasmo dos olivais semeados numa geometria dispersa na planície de muitos “chãos” particulares, onde se vareja a azeitona em tempo de outono. Depois, o despedir daquela gente simples  e a promessa de voltar. Este povo, aquele povo, não é de hipocrisias nem de risos de circunstância. São eles de corpo inteiro e alma lavada. Tantas vezes lavada de lágrimas de saudade dos ausentes. Dos ausentes que partiram para sempre ou que andam para lá da fronteira. Buscam na religião, o conforto que necessitam para ultrapassar o vazio das suas almas atormentadas. Nem sequer entendem quem, de forma ligeira, desdenha deles e da sua fé avassaladora e inquebrantável.

Regressar à Cidade do Conhecimento. Fatigados, sentar numa qualquer esplanada a descansar do volante e da jornada. E beber uma qualquer bebida fresca, a pensar já com alguma nostalgia nos mistérios seculares da montanha silenciosa que aguarda o nosso regresso, e no brinde simpático e acolhedor, apadrinhado em saudável convívio com genuíno e aromático vinho italiano.
Q.P.             

3 comentários:

  1. Agora que descobri a sua veia de escritor, escondida nao sei porque à maioria de nos, seres HUMANOS, pouco habituados a este alimento tao necessario a nossas almas. Beijinho grande.

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  2. Mais um bom texto, com muita realidade e alguma imaginação, própria dos bons escritores.

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  3. Mais um excelente texto que começa lá pela estranha,passa pelo sacrificado interior com todos os problemas que resultam da desertificação...mas uma vez chegado à cidade do conhecimento uma esplanada e uma bebida reconforta o rspirito...

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