Aguarela - Pintor anónimo que expõe nas ruas da Ericeira
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Hoje de manhã a maré estava baixa, como eu gosto.
É quando, durante umas horas, o mar nos revela parte dos segredos de uma vida esfusiante que se abriga nas rochas, onde a erosão milenar foi escavando túneis e grutas que protegem os seres marinhos dos seus predadores.
Serpenteando, a água límpida, num ondular repetitivo, mas nunca repetido, vai banhando as rochas descobertas, as algas, os musgos, os ouriços, os moluscos, os pequenos peixes, até os insectos.
A mim, acariciava-me as pernas meio submersas, intrusas…
Involuntariamente, fixo o meu olhar num casal, mais à frente, recoberto pela água, entregue à loucura de um apertado abraço.
Bolhas de ar subiam velozes, desfazendo-se em espuma à tona de água, como capitoso champanhe.
Presenciar a beleza de um acto de amor, em invulgar ambiente aquático, afastou os pruridos que a razão me aconselhava. Foi mais forte do que eu, invadir a privacidade daqueles jovens…
A refractária ondulação permitia-me adivinhar, mais do que realmente ver, deformadas, as imagens dos braços enleados, das pernas entrelaçadas, das bocas coladas, dos corpos fundidos num só.
É quando, durante umas horas, o mar nos revela parte dos segredos de uma vida esfusiante que se abriga nas rochas, onde a erosão milenar foi escavando túneis e grutas que protegem os seres marinhos dos seus predadores.
Serpenteando, a água límpida, num ondular repetitivo, mas nunca repetido, vai banhando as rochas descobertas, as algas, os musgos, os ouriços, os moluscos, os pequenos peixes, até os insectos.
A mim, acariciava-me as pernas meio submersas, intrusas…
Involuntariamente, fixo o meu olhar num casal, mais à frente, recoberto pela água, entregue à loucura de um apertado abraço.
Bolhas de ar subiam velozes, desfazendo-se em espuma à tona de água, como capitoso champanhe.
Presenciar a beleza de um acto de amor, em invulgar ambiente aquático, afastou os pruridos que a razão me aconselhava. Foi mais forte do que eu, invadir a privacidade daqueles jovens…
A refractária ondulação permitia-me adivinhar, mais do que realmente ver, deformadas, as imagens dos braços enleados, das pernas entrelaçadas, das bocas coladas, dos corpos fundidos num só.
Num frenesim!
Uma e outra vez a água revolteava-se quando os corpos daqueles jovens surgiam à tona, já indiferentes aos olhares estranhos, perto do êxtase.
Subitamente, a calmaria…
Ainda os vi, de mãos dadas, deslizarem suavemente, lado a lado, afastando-se, saciados, em direcção a uma rocha mais longínqua.
Amanhã vou estar de novo naquela praia. Gostava de poder agradecer àqueles dois jovens polvos, por me terem mostrado a beleza do amor dentro de água…
Rui Felício
Rui
ResponderEliminarFalas-nos de uma maré calma, quando o teu cérebro é um mar revolto. Da confidência de um crime sórdido que se desenhou só no final, passas agora para a transparência das águas límpidas. É um texto repousante. Há uma empatia crescente com o desenrolar dos acontecimentos.Houve-se o marulhar das águas calmas, até se perceber o final. Brilhante final.
É a tua veia inesgotavel. Não tenho esse teu previlégio. Navego à vista, sempre sem saber quando será o meu ponto final. O dia de fechar a gaveta. Quando achar que já não alinho as palavras e que só terei à minha espera um coro de assobios. Mas estou absolutamente certo que, contigo isso nunca acontecerá. Dou-te os parabéns. Belo texto.
Terias o teu coro de assobios se fechasses a gaveta.
ResponderEliminarAmbos sabemos que tal nunca acontecerá, felizmente, porque o vício e o prazer de escrever faz inchar e empenar a madeira de que é feita, impedindo-a de se fechar.
É sempre uma satisfação...ler estes dois amigos!
ResponderEliminarInspiraçao..."veia poética"...lucidez e arte de bem escrever não lhe faltam! Quito...espero que a tua gaveta seja de uma madeira nobre! Assim nunca inchará!!! Abraço duplo...ou duplo dito abraço!!!!
Eu,embevecida, seguia a tua imaginação...
ResponderEliminarno sentido de estar a imaginar um par humano entrelaçado...recordando...no entanto, o encanto e o reviver em nada ficou afectado!
AMOR,no mar da Ericeira, não é para todos...
Amor com muitos braços e pernas.
ResponderEliminarTema bem escolhido.
Um Abraço.
Tonito.
Belíssimo retrato de amor.
ResponderEliminarJá sinto saudades de quando fui polvo.
Parabens e obrigado.
Polvo à lagareiro? Não! Arroz de polvo com filetes do mesmo? Também não! Então, um pires de polvo ensalsado? Não! Porra, não me tentem!
ResponderEliminarNunca mais comerei polvo porque não saberia se estaria a mastigar aquele casal apaixonado que o Felício nos serviu na sua farta travessa de imaginação.
Que delícia! Que pitéu!
Abraço grande.
Carlos Viana
Rui Felício,
ResponderEliminarNão te preocupes. Se for preciso nós vamos a Salgeiro abrir a gaveta.
Tu bialogas ... e eu apanho boleia!
Vais ver que resulta.
Abraço para ambos os dois.
Carlos Viana
Não o fiz de propósito, mas ao riscar a traço grosso as linhas que depois aplainei,a Olinda esteve sempre presente no meu pensamento. Inevitavelmente.
ResponderEliminarSei quanto o mar da Ericeira lhe é querido...
Por mais penosas que possam ser algumas recordações,prevalecerão sempre as boas.
E ela merece-as.
Carlitos: vim aqui, visitar-te. Sei que aportas nos bons pesqueiros de polvo. Por isso, te venho dar um abraço.
ResponderEliminarPedro Martins
Estou intrigado!!!... Como mergulhador, sei que os polvos não fazem amor à superfície!... E como sei que o Rui tem uma boa cultura geral...
ResponderEliminarMas a imagem de polvos está uma delícia!...
O Alfredo tem razão mas tira conclusões precipitadas.
ResponderEliminarEsquece-se que também mergulho...às vezes...e muito...
E sem máscara.
Atiro-me de cabeça...
Vou até ao fundo se a questão o justificar.
Além de que, no auge do acto sexual, os polvos querem lá saber se estão no fundo ou se estão perto da superficie!
Além de que não havia por ali outros seres marinhos com braços e pernas.
Eram polvos! Só podiam ser!
Polvos com pernas!?!?... Huuummm!!!... Tá bem tá!!!...
ResponderEliminarMeu Amigo Alfredo, que sei eu para te poder contradizer?
ResponderEliminarMas olha que o Livro de Pantagruel tem uma receita que se chama "polvo assapatado".
Logo, tem pés...
Logo, tem pernas...
O Rui tem uma imaginação tão pródiga que nem importam os pormenores das pernas,dos braços,dos olhinhos,ao fundo, à superfície,à lagareiro,assapatado...
ResponderEliminarViu o frenesim,contemplou o êxtase,pressentiu-os saciados.
O amor,sempre o amor!