terça-feira, 31 de agosto de 2010

Histórias de gente simples



Sinfonia inacabada

O canteirito, no cimo da testada, é uma nesga de terra com pouco mais de metro e meio de largura por uns vinte de comprimento.

Ali, junto da levada, não podia queixar-se da falta de água, até ao dia em que ela deixou de ser um camalhão de terra e o cômoro foi substituído por cimento, tijolos e pedras.

A meio da hortita ia dar a ponte de tábuas de madeira, com uns oitenta centímetros de largura, assentes num lado sobre a calha de cimento, que levava a água e no outro sobre um barrote de eucalipto. O valado, no topo da ponte conduzia à levada e dali, para a direita ficava o açude e para a esquerda a casita da azenha.

A ponte era de pé-posto; a besta ficava no palheiro, poucos metros antes da ribeira. Não tinha guardas, nem corrimão e em períodos de taró mais intenso, era escorregadia e perigosa.

Todavia, não se sabe que, de lá, tenha caído alguém.

No cimo do canteirito acabavam-se as hortas, até ao açude, uns vinte metros a montante, para norte. A levada deixava de ser de alvenaria e passava a um simples rego entre o cômoro e a encosta do monte, que dali subia, para sul, até ao cume da lomba, povoada de estevas e pinheiros.

Entestado entre as paredes das hortas do tio Abílio Lindo, pelo poente, e do tio Manuel Rosa, a nascente, o açude da Pleissa era formado por uma fiada de quatro ou cinco grandes calhaus – que deviam estar ali “desde que o mundo é mundo, para os homens”, como me dizia o meu avô quando queria ir longe, no tempo –. A segurá-los, leivas de terra, barro, raízes de carriços, gramas e outras aquáticas.

Não eram raras as queixas dos meeiros quanto à má qualidade do açude, sobretudo em anos de maior canícula.

Faziam-se reparos na represa, remendava-se a levada,dava-se caça às eirós que furavam as leivas e os cômoros. A manilha do bueiro, foi substituído e acabou por ficar a contento de todos.

Na pequena veiguita, antes da azenha, criavam-se os mimos da casa: os alfobres de cebolinho, de couves (galega, sete-semanas, tronchuda, repolho, couve-flor, couve-nabo, coração de boi), de alfaces, almeirões, tomates e pimentos. Não faltava o canteiro da salsa, o rego da hortelã e a belga de coentros, cenouras e espinafres.

No tempo do feijão verde, três ou quatro leiras de outros tantos regos, semeados a intervalos de quinze dias, davam vagens por um período ininterrupto de três meses, no Verão. Estavam lá, também, abaceladas as vides escolhidas para fazer o bacelo e para usar nas enxertias da vinha.

Embora o calor nunca apertasse muito, ali junto da ribeira, no pino do Verão fazia-se sentir, de tal forma que era preciso regar, dia-sim, dia-não.

As regas já quase se não fazem, aqueles canteirinhos, então tratados como jardins, têm, agora, mais ervas e menos desvelos.

Porém, o chilrear dos pássaros, o roçar do vento nas ramagens, o rumorejar das águas e até o som desafinado das cigarras, continuam a compor a mais bela sinfonia que nos foi dado ouvir.

No açude, continua a poisar a arvéloa, agitando a cauda, com tal leveza, qual a batuta de maestro…

A sinfonia continua inacabada…

José Marques Valente

Estudante, Professor, Formador, Comercial e Marketing, Auto-didacta,Contador de Histórias

1 comentário:

  1. Será que este autor também mora lá para os lados de Salgueiro do Campo?
    Está bem escrito...mas o nosso Romancista....

    ResponderEliminar