quinta-feira, 26 de agosto de 2010

LUAR DE AGOSTO ...

...a terna cúmplicidade de um luar de Agosto ...
De novo voltei. Embalado pelas emoções de Verão, regressei ao meu segundo berço. Lagos recebeu-me de braços abertos, como a chegada do filho pródigo. Como descrever o abraço que o Zé Manel me deu no seu café o “Mimo”, mesmo quando a sorrir lhe falei do sucesso da Briosa em casa de águia? “…não há futebol que destrua o nosso relacionamento…” – disse-me. E com uma “ amendoínha amarga”, e um pequeno e artístico bolo regional, selámos a nossa amizade. Sinto a saudade de tempos de antanho. Nas traseiras da bela marina de Lagos, lá está a Estação dos Caminhos de Ferro. As paredes, atapetadas de azulejos verdes, fazem-me caminhar pelo passado. Relembro as viagens épicas de outrora. Os dias inteiros de comboio, com partida de Coimbra, a culminar com o pequeno troço entre Tunes e Lagos numa pequena automotora. Depois, a família que nos esperava, após um ano de paciente ansiedade. E era ali, naquela Estação, hoje votada a um quase abandono, que saciávamos a saudade como quem bebia, de uma forma sôfrega, cálices de felicidade. Aquele local, tem para mim, um estatuto quase Sagrado. Aliás, como todas as Estações de Caminho de Ferro. Ali se trocam abraços de amor e amizade com quem chega. Ali se chora a tristeza antecipada da ausência de quem parte. Um dia, vi na Estação Velha da nossa Coimbra, um soldado que, com a cabeça fora da janela da carruagem e a mãe lavada em lágrimas, dizia quase em sussurro e a voz sufocada pela emoção: “…mãe, hei-de voltar…”. E é nesta bela cidade do barlavento algarvio, que mais padeço das recordações das décadas passadas. Seriam horas a desfiar um rosário de memórias. Lembrar o António Maluco, pescador de profissão, sentado no seu banco tripé remendando as redes; o Pacheco que tinha um pacto não sei se com Deus ou com o Diabo, quando o mar alteroso no Inverno, porfiava, sem conseguir, roubar-lhe a vida ; o Cesário que trabalhava numa fábrica de conservas de sardinha e bebia água de Espiche para lhe aliviar as maleitas; a pequena mercearia da Aldinha, ali no Largo do Adro; a Quinta do Chico Silva, onde, manhã cedo, ele se afadigava a dar de comer aos patos e galinhas, levando a reboque um carrinho – de – mão, que gemia no seu rodar, como se do choro de uma criança se tratasse, e a quem ele apelidava de “triste vida”. Os olhos negros da bela Irene, que pôs o meu coração juvenil num desatino. Como esquecer a simpatia do Manuel da Glória, Vice - Chefe dos Bombeiros Voluntários de Lagos, e as patuscadas que fazíamos juntos no Sargaçal e o seu arsenal de anedotas? O seu nome ficará para sempre ligado a esta terra, pelo cidadão altruísta, valente e bondoso que foi. Aqui tem, nesta cidade e em homenagem póstuma, uma rua com o seu nome. Mas porquê mortificar-me com a ausência do passado? Talvez porque o passado esteja sempre presente. Em cada praça, em cada rua, em cada viela, em cada muralha, sopram os Ventos de épocas que se diluíram no Tempo. De um passado Quinhentista glorioso. A recordá-lo, lá está o Infante de Sagres e a sua estátua imponente, virada para o mar que foi sua glória. Mas também da sombra desastrosa de Alcácer - Quibir. E na sala - de - estar da cidade, pela arte de João Cutileiro, ali encontramos uma homenagem ao rei - menino, vestido da sua armadura desajustada e cara de imberbe criança. Este é o passado remoto com que todos nos confrontamos, enquanto cidadãos deste país de marinheiros, e de outros compatriotas de rija têmpera. Essas, são contas do nosso património colectivo. Das minhas memórias, resta-me o desconforto dos amigos que perdi. Dos passeios pela cidade. Das horas esquecidas debruçado numa rocha na Senhora da Piedade, olhando o oceano. Das brisas marítimas ao entardecer. Tudo isto recordei, cercado das minhas angústias e da minha nostalgia, sentado na varanda de minha casa, enquanto vou observando um brando mar banhado em prata. Lá em cima, a Lua - Cheia, em todo o seu esplendor, parece partilhar deste meu sentir, como testemunha e sentinela intemporal dos meus saudosos pensamentos. É como se me abraçasse em silêncio, reflectindo nas serenas águas, a terna cumplicidade de um luar de Agosto.
Quito Pereira

7 comentários:

  1. A beleza da Lua Cheia, de luz intensa e branca como a que tem estado nestes dias e que inspirou o Quito, é sempre, em qualquer altura do ano, inspiradora nostálgica das nossas recordações e dos nossos sonhos.

    Mais ainda, nas noites limpidas e cálidas de Agosto.

    Não admira, por isso, que a habitual sensibilidade do Quito tivesse despertado ainda mais forte.

    Levando-o a desfiar um rosário de lembranças da forma suave e encadeada que nos prende à leitura deste o principio até ao fim.

    De todas as personagens que só ele conhece, uma se evidenciou no meu espírito.

    Falo da Irene, porque ela representa o amor juvenil que nunca esquece mesmo quando a idade avança...

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  2. Quito,
    Lagos é, para mim, a mais bonita e agradável cidade do Algarve! Durante muitos anos, foi o nosso, meu e da Daisy, claro, lugar para passar as férias. Ficávamos sempre no Motel Marsol, onde alugávamos um bengalow T1 logo em Fevereiro, pois mais tarde já não havia hipóteses. Qualquer dia, dá-me na mona e vou lá passar uma semanita.
    Parabéns pelo texto. Boas férias.
    abç

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  3. Este "sentimentalão! nem precisa da Lua Cheia para escrever, descrevendo o que lhe vai na alma quando se trata de matar saudades em Lagos!
    Nota-se que é com uma satisfação enorme, imagino mesmo com um brilhosinho nos olhos....que citas todos estes teus amigos de infância!
    Não tenho a certeza, mas penso que está convosco o teu pai Agostinho que viveu e partilha contigo essas lembranças que vais revivendo...
    Se está contigo dá-lhe um forte abraço cá deste Castelão que por ele tem muita estima e amizade!

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  4. Rui
    Quando falei na Irene, moçoila daqueles tempos, tinha a certeza que não te passaria despercebida a minha referência ...
    Alfredo
    Não sei há quanto tempo não vens a estes lados, mas vais encontrar muita diferênça ...
    Rafa
    Obrigado pelas amáveis palavras. De facto o meu pai está por aqui e envia um abraço..

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  5. Pois trouxeste-me Lagos à minha memória
    como local onde passei férias maravilhosas...
    E, por isso,obrigada!
    Já não vou,aí, há mais de 15 anos!!!
    Deve estar diferente e espero para melhor...

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  6. Quito,desta feita nem sei...a fotografia não precisava de palavras,tal a sua beleza e o texto não necessitava de imagem, as palavras enchem-nos a alma!

    Fazem-te bem os ares do Sul.

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