Há sessenta anos eu sabia tudo. Hoje só sei que sou ignorante.
A aprendizagem é a descoberta progressiva da nossa ignorância.Foi com estas palavras que o Boaventura Sousa Santos, nosso professor de filosofia, iniciou a aula no Colégio D. João de Castro.
Entreolhámo-nos, com um meio sorriso. Eu, o Chico Duarte, do Bairro, e o Faria, que morava ao pé do Custódio Moreirinhas na Ladeira das Alpenduradas.
O professor, prosseguiu:E vocês, desconhecedores da vossa ignorância, ainda estão numa fase da vida em que acham que sabem muito.
Porque até hoje, ainda não aprenderam quase nada da vossa ignorância.
Ali, o Faria, por exemplo é, de todos nós, o mais sábio porque não estuda, não trabalha, não se dedica a aprender. É por isso que eu lhe dei negativa no período passado.
Ao Felício dei a melhor nota da turma no último exercício. Porque é trabalhador, vê-se que estudou, que se interessou pela matéria dada.
Quer dizer, o Felício já aprendeu mais do que o Faria, e por isso já tem maior consciência da sua ignorância.Olhou fixamente para mim e disse-me:- Portanto, não estejas já todo contente com a nota que te dei, porque eu premeio é o trabalho, não é a sabedoria!
- Na realidade, a boa nota que te dei só significa que já és mais ignorante que o Faria.E desviando o olhar para o Faria:
- E tu, enquanto continuares a ser sábio, já sabes. Levas negativa...
NOTA: O Boaventura Sousa Santos de que falo não é, claro, aquele que actualmente é professor na Universidade de Coimbra. Não sei se este é filho daquele, mas é provável que exista algum laço familiar entre os dois.
Rui Felício
Publicado em 18-10-2010
A aprendizagem é a descoberta progressiva da nossa ignorância.Foi com estas palavras que o Boaventura Sousa Santos, nosso professor de filosofia, iniciou a aula no Colégio D. João de Castro.
Entreolhámo-nos, com um meio sorriso. Eu, o Chico Duarte, do Bairro, e o Faria, que morava ao pé do Custódio Moreirinhas na Ladeira das Alpenduradas.
O professor, prosseguiu:E vocês, desconhecedores da vossa ignorância, ainda estão numa fase da vida em que acham que sabem muito.
Porque até hoje, ainda não aprenderam quase nada da vossa ignorância.
Ali, o Faria, por exemplo é, de todos nós, o mais sábio porque não estuda, não trabalha, não se dedica a aprender. É por isso que eu lhe dei negativa no período passado.
Ao Felício dei a melhor nota da turma no último exercício. Porque é trabalhador, vê-se que estudou, que se interessou pela matéria dada.
Quer dizer, o Felício já aprendeu mais do que o Faria, e por isso já tem maior consciência da sua ignorância.Olhou fixamente para mim e disse-me:- Portanto, não estejas já todo contente com a nota que te dei, porque eu premeio é o trabalho, não é a sabedoria!
- Na realidade, a boa nota que te dei só significa que já és mais ignorante que o Faria.E desviando o olhar para o Faria:
- E tu, enquanto continuares a ser sábio, já sabes. Levas negativa...
NOTA: O Boaventura Sousa Santos de que falo não é, claro, aquele que actualmente é professor na Universidade de Coimbra. Não sei se este é filho daquele, mas é provável que exista algum laço familiar entre os dois.
Rui Felício
Publicado em 18-10-2010
Há textos que nos prendem a atenção. Pela forma como estão escritos, e pela mensagem que encerram. Este texto, do Rui, é profundo. É, sem dúvida, uma mais valia para o blogue. De facto, não é preciso escrever muito para se passar um pensamento forte. Por mim falo, quando faço textos verdadeiramente gongóricos, como foi o caso da minha última colaboração neste espaço.
ResponderEliminarMas é saudável, para todos aqueles que têm como óbi alinhar as palavras, ter a sua própria identidade. A sua matriz.
Parabéns Rui Felício. Vou reler.
Abraço
Obrigado Quito.
ResponderEliminarRui,uma pérola de ignorância, tão sábia!
ResponderEliminarSó um sábio, para nos transmitir a santa ignorância...
Dá gosto.
E mais não digo.
Coisa do Altamente.
ResponderEliminarTonito.
Tal como o Quito diz, o texto prende-nos e é inevitável não o ler até ao fim.
ResponderEliminarEste, ainda por cima, com personagens que eu bem conheço! Esse Faria deveria ser o António, que é da tua idade. Ainda andou em Direito mas não se chegou a formar. Foi Delegado de Informação Médica e já está reformado há cerca de 10 anos. O Prof. era quase de certeza o pai do Boaventura Sousa Santos Professor de Ciências Sociais na Faculdade de Economia e um grande amigo meu.
A tua história é, como sempre, deliciosa!
Pois quem é mestre e sabe o que diz prede-nos sempre a atenção!
ResponderEliminarNos trocadilhos com que mimoseava o Faria(que bem conheço) e o Rui Felíco(idem), nem lhes chamavam espertos nem ignorantes, antes pelo contrário!
Os dois tinham que ser espertos e ignorantes para perceberem onde o professor queria chegar!
Sinceramenre acho que já baralhei tudo!
Tudo porque estou a escrever sempre prá frente com um palavrão que o Romancista botou ali para cima!
Já fui ver ao Simposium e não encontro remédio para tal palavrão: Gongóricos!
Também fiquei presa aos gongóricos?!...
ResponderEliminarIgnorante Rui explica-me!
Até fiquei desatenta dem relação teu brilhante texto quando o serranito lançou tal sábia palavra...mas terás nota negativa, Quito de Deus!!!
Eu só sei que nada sei...
ResponderEliminarE uma das muitas coisas que não sei é quando termina a veracidade dos factos narrados e começa a prodigiosa imaginação do Felício a brilhar.
Seja como for, há uma coisa que eu sei, embora isso me possa custar a confissão da minha ignorância, eu sei que o Rui Felício é um contador exímio.
Uma delicia, meu querido amigo, este teu texto.
Quito,
ResponderEliminarEsta malta admira-se com pouco.
Gongóricos como eu,todos os dias, ao pequeno almoço.
O Gongorismo é um estilo pretensioso, muito abundante de ornatos e trocadilhos, à imitação do poeta castelhano Góngora.
( Abençoada enciclopédia Lello Universal ...)
Agora, há uma coisa que eu não sei: é o que é que este estilo tem a ver com o teu.
Isso nem a Lello me é capaz de explicar !
O Carlos Viana queria dizer:
ResponderEliminarGongóricos como eu, todos os dias, ao pequeno almoço são comidos.
Também eu sou de opinião que o Quito, ao contrário do que ele diz por modéstia, não escreve de forma gongórica.
ResponderEliminarGongorismo, aplicado à escrita, será uma forma de comunicação com utilização de vocabulário redundante, barroco, mais forma do que conteúdo.
Ora o seu estilo é diametralmente oposto. Usa palavras simples, adequadas e directas, para transmitir as descrições pormenorizadas das pessoas, das paisagens, dos ambientes, que tanto nos encantam.
A sintetização é incompatível com o estilo descritivo que caracteriza a escrita do Quito.
Longe, porém,de ser gongórica, como bem diz o Carlos Viana.
Os factos são verdadeiros, apesar do cepticismo do Carlos Viana.
ResponderEliminarO Dr. Boaventura Sousa Santos era um homem de comportamento imprevisível que nos desarmava com as suas tiradas inesperadas.
O episódio que recordei esteve sempre presente ao longo da minha vida.
Primeiro, pela estranheza que a lição me provocou na altura e que levei à conta da peculiaridade da figura daquele professor.
Depois e gradualmente, muitos anos mais tarde, porque finalmente compreendi a profundidade do seu ensinamento.
Realmente, quanto mais conhecimentos fui adquirindo ao longo da vida, maior consciência fui tomando da minha ignorância sobre a grandiosidade e vastidão do saber humano.
Quanto menor é o acesso às migalhas desse saber, maior é a veleidade e a tendência de nos considerarmos sábios.
O Alfredo deu forte e feio no Carlos Viana.
ResponderEliminarSe fosse eu não me ficava...
Como deu para perceber, eu também não conhecia o tal Gongorismo e foi a Enciclopédia que me explicou. Quando vi que se trata de um estilo pretensioso e mais não sei quê logo decidi que nada tinha a ver com o Quito.
ResponderEliminarComo o Rui Felício melhor explicou.
Quanto ao Sr. Moreirinhas, que se cuide!
Fica debaixo de olho.
Estou sem tempo. A Olga está à porta de casa, a bater o pé, porque estamos para sair para o Porto, donde regressaremos amanhã depois de "apanhar" o Carlos Alberto no aeroporto.
Até lá, abraço para todos.
E ... até sábado.
pois...e mais não digo!
ResponderEliminarHomens falam entre si e bem!
O Viana foi logo buscar o dicionário e assassinou-me a prosápia. Porque, meus caros amigos, também se diz que gongórico é aquele discurso chato que nunca mais acaba, onde se fala muito e diz pouco. E garanto-vos que naquele meu "lençol" de há dias, muitos não passaram da décima linha. Foi uma autêntica prova de resistência ...
ResponderEliminarOlá,Quito!
ResponderEliminarEu li-te todinha!!!...juro.
tá bem Olinda, só pelo esforço deposito-te um respeitoso ósculo na testa ...
ResponderEliminarEu cá não quero nenhum ósculo em lado nenhum, gongòricamente falando, mas também li tudo! Até os comentários :))
ResponderEliminarRui Felício, excelente lição que recebeste e que nos soubeste endossar de forma brilhante.
ResponderEliminarSem querer ser gongórico, já que o Quito quer assumir que é aquilo que pensamos não o ser, posso afirmar que o professor de filosofia que tive no D. João de Castro era conhecido por "Panão", não me perguntes porquê, e que julgo ter sido bibliotecário na Biblioteca da Universidade. Não sei se será o mesmo, só sei que tinha por hábito dizer "debrucem-se sobre esta questão" e aí todos fazíamos uma vénia reverencial para esconder o riso.
Bom tempo e bom professor...
Quito
ResponderEliminarGongórico ou não os teus textos não são lidos, são apreciados por todos. Se a calmaria dessa aldeia que dá tamanha inspiração, abençoada aldeia
Abílio
O professor a que te referes era o Dr. Abel de Almeida e Sousa. Engraçadissimo e muito amigo do meu Pai.
Felicio
Continuas como sempre: o bom aluno da minha Mãe
E agora um à parte: As senhoras não escrevem, não comentam, porquê? Só vejo por aqui a Celeste (está uma jovem, deviam t
ê-la visto no domingo) e o Olinda. E as outras? Não se esqueçam, Caras amigas, o mundo é das mulheres
Vá, Ló, é assim mesmo, vamos a incentivar as meninas, todas jovens, a vir à liça e chegar a estes prosaicos e líricos escritores e comentadores machos...
ResponderEliminarTemos de nos organizar!
Lembro-me bem do Panão. Mas este era outro, Abílio.
ResponderEliminarEra aquele que, no primeiro dia de aulas que tive no Colégio D. João de Castro, depois de ter feito o 5º ano do liceu no D. João III, vendo que eu era novato no Colégio, me perguntou de chofre:
Ouve lá, pá! Se te disessem que daqui a um minuto ias ficar paralisado de todo o teu lado esquerdo o que fazias?
Estupefacto ( no D. João III os professores não eram assim tão terra a terra, encolhi nos ombros e disse-lhe:
- Não sei Sr. Dr.
Mais estupefacto fiquei com o comentário dele:
- Bem me parecia que eras burro. Então não mudavas logo os orgãos genitais para o lado direito?