terça-feira, 19 de outubro de 2010

NA AULA DE FILOSOFIA...


Há sessenta anos eu sabia tudo. Hoje só sei que sou ignorante.
A aprendizagem é a descoberta progressiva da nossa ignorância.
Foi com estas palavras que o Boaventura Sousa Santos, nosso professor de filosofia, iniciou a aula no Colégio D. João de Castro.

Entreolhámo-nos, com um meio sorriso. Eu, o Chico Duarte, do Bairro, e o Faria, que morava ao pé do Custódio Moreirinhas na Ladeira das Alpenduradas.
O professor, prosseguiu:E vocês, desconhecedores da vossa ignorância, ainda estão numa fase da vida em que acham que sabem muito.
Porque até hoje, ainda não aprenderam quase nada da vossa ignorância.
Ali, o Faria, por exemplo é, de todos nós, o mais sábio porque não estuda, não trabalha, não se dedica a aprender. É por isso que eu lhe dei negativa no período passado.
Ao Felício dei a melhor nota da turma no último exercício. Porque é trabalhador, vê-se que estudou, que se interessou pela matéria dada.
Quer dizer, o Felício já aprendeu mais do que o Faria, e por isso já tem maior consciência da sua ignorância.
Olhou fixamente para mim e disse-me:- Portanto, não estejas já todo contente com a nota que te dei, porque eu premeio é o trabalho, não é a sabedoria!
- Na realidade, a boa nota que te dei só significa que já és mais ignorante que o Faria
.E desviando o olhar para o Faria:

- E tu, enquanto continuares a ser sábio, já sabes. Levas negativa...


NOTA: O Boaventura Sousa Santos de que falo não é, claro, aquele que actualmente é professor na Universidade de Coimbra. Não sei se este é filho daquele, mas é provável que exista algum laço familiar entre os dois.

Rui Felício

Publicado em 18-10-2010

23 comentários:

  1. Há textos que nos prendem a atenção. Pela forma como estão escritos, e pela mensagem que encerram. Este texto, do Rui, é profundo. É, sem dúvida, uma mais valia para o blogue. De facto, não é preciso escrever muito para se passar um pensamento forte. Por mim falo, quando faço textos verdadeiramente gongóricos, como foi o caso da minha última colaboração neste espaço.
    Mas é saudável, para todos aqueles que têm como óbi alinhar as palavras, ter a sua própria identidade. A sua matriz.
    Parabéns Rui Felício. Vou reler.
    Abraço

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  2. Rui,uma pérola de ignorância, tão sábia!
    Só um sábio, para nos transmitir a santa ignorância...
    Dá gosto.
    E mais não digo.

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  3. Tal como o Quito diz, o texto prende-nos e é inevitável não o ler até ao fim.
    Este, ainda por cima, com personagens que eu bem conheço! Esse Faria deveria ser o António, que é da tua idade. Ainda andou em Direito mas não se chegou a formar. Foi Delegado de Informação Médica e já está reformado há cerca de 10 anos. O Prof. era quase de certeza o pai do Boaventura Sousa Santos Professor de Ciências Sociais na Faculdade de Economia e um grande amigo meu.
    A tua história é, como sempre, deliciosa!

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  4. Pois quem é mestre e sabe o que diz prede-nos sempre a atenção!
    Nos trocadilhos com que mimoseava o Faria(que bem conheço) e o Rui Felíco(idem), nem lhes chamavam espertos nem ignorantes, antes pelo contrário!
    Os dois tinham que ser espertos e ignorantes para perceberem onde o professor queria chegar!
    Sinceramenre acho que já baralhei tudo!
    Tudo porque estou a escrever sempre prá frente com um palavrão que o Romancista botou ali para cima!
    Já fui ver ao Simposium e não encontro remédio para tal palavrão: Gongóricos!

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  5. Também fiquei presa aos gongóricos?!...
    Ignorante Rui explica-me!
    Até fiquei desatenta dem relação teu brilhante texto quando o serranito lançou tal sábia palavra...mas terás nota negativa, Quito de Deus!!!

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  6. Eu só sei que nada sei...
    E uma das muitas coisas que não sei é quando termina a veracidade dos factos narrados e começa a prodigiosa imaginação do Felício a brilhar.
    Seja como for, há uma coisa que eu sei, embora isso me possa custar a confissão da minha ignorância, eu sei que o Rui Felício é um contador exímio.
    Uma delicia, meu querido amigo, este teu texto.

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  7. Quito,
    Esta malta admira-se com pouco.
    Gongóricos como eu,todos os dias, ao pequeno almoço.
    O Gongorismo é um estilo pretensioso, muito abundante de ornatos e trocadilhos, à imitação do poeta castelhano Góngora.
    ( Abençoada enciclopédia Lello Universal ...)

    Agora, há uma coisa que eu não sei: é o que é que este estilo tem a ver com o teu.
    Isso nem a Lello me é capaz de explicar !

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  8. O Carlos Viana queria dizer:
    Gongóricos como eu, todos os dias, ao pequeno almoço são comidos.

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  9. Também eu sou de opinião que o Quito, ao contrário do que ele diz por modéstia, não escreve de forma gongórica.
    Gongorismo, aplicado à escrita, será uma forma de comunicação com utilização de vocabulário redundante, barroco, mais forma do que conteúdo.
    Ora o seu estilo é diametralmente oposto. Usa palavras simples, adequadas e directas, para transmitir as descrições pormenorizadas das pessoas, das paisagens, dos ambientes, que tanto nos encantam.
    A sintetização é incompatível com o estilo descritivo que caracteriza a escrita do Quito.
    Longe, porém,de ser gongórica, como bem diz o Carlos Viana.

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  10. Os factos são verdadeiros, apesar do cepticismo do Carlos Viana.
    O Dr. Boaventura Sousa Santos era um homem de comportamento imprevisível que nos desarmava com as suas tiradas inesperadas.
    O episódio que recordei esteve sempre presente ao longo da minha vida.
    Primeiro, pela estranheza que a lição me provocou na altura e que levei à conta da peculiaridade da figura daquele professor.
    Depois e gradualmente, muitos anos mais tarde, porque finalmente compreendi a profundidade do seu ensinamento.
    Realmente, quanto mais conhecimentos fui adquirindo ao longo da vida, maior consciência fui tomando da minha ignorância sobre a grandiosidade e vastidão do saber humano.
    Quanto menor é o acesso às migalhas desse saber, maior é a veleidade e a tendência de nos considerarmos sábios.

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  11. O Alfredo deu forte e feio no Carlos Viana.
    Se fosse eu não me ficava...

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  12. Como deu para perceber, eu também não conhecia o tal Gongorismo e foi a Enciclopédia que me explicou. Quando vi que se trata de um estilo pretensioso e mais não sei quê logo decidi que nada tinha a ver com o Quito.
    Como o Rui Felício melhor explicou.

    Quanto ao Sr. Moreirinhas, que se cuide!
    Fica debaixo de olho.
    Estou sem tempo. A Olga está à porta de casa, a bater o pé, porque estamos para sair para o Porto, donde regressaremos amanhã depois de "apanhar" o Carlos Alberto no aeroporto.

    Até lá, abraço para todos.
    E ... até sábado.

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  13. pois...e mais não digo!
    Homens falam entre si e bem!

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  14. O Viana foi logo buscar o dicionário e assassinou-me a prosápia. Porque, meus caros amigos, também se diz que gongórico é aquele discurso chato que nunca mais acaba, onde se fala muito e diz pouco. E garanto-vos que naquele meu "lençol" de há dias, muitos não passaram da décima linha. Foi uma autêntica prova de resistência ...

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  15. tá bem Olinda, só pelo esforço deposito-te um respeitoso ósculo na testa ...

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  16. Eu cá não quero nenhum ósculo em lado nenhum, gongòricamente falando, mas também li tudo! Até os comentários :))

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  17. Rui Felício, excelente lição que recebeste e que nos soubeste endossar de forma brilhante.
    Sem querer ser gongórico, já que o Quito quer assumir que é aquilo que pensamos não o ser, posso afirmar que o professor de filosofia que tive no D. João de Castro era conhecido por "Panão", não me perguntes porquê, e que julgo ter sido bibliotecário na Biblioteca da Universidade. Não sei se será o mesmo, só sei que tinha por hábito dizer "debrucem-se sobre esta questão" e aí todos fazíamos uma vénia reverencial para esconder o riso.
    Bom tempo e bom professor...

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  18. Quito
    Gongórico ou não os teus textos não são lidos, são apreciados por todos. Se a calmaria dessa aldeia que dá tamanha inspiração, abençoada aldeia

    Abílio
    O professor a que te referes era o Dr. Abel de Almeida e Sousa. Engraçadissimo e muito amigo do meu Pai.

    Felicio
    Continuas como sempre: o bom aluno da minha Mãe

    E agora um à parte: As senhoras não escrevem, não comentam, porquê? Só vejo por aqui a Celeste (está uma jovem, deviam t
    ê-la visto no domingo) e o Olinda. E as outras? Não se esqueçam, Caras amigas, o mundo é das mulheres

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  19. Vá, Ló, é assim mesmo, vamos a incentivar as meninas, todas jovens, a vir à liça e chegar a estes prosaicos e líricos escritores e comentadores machos...
    Temos de nos organizar!

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  20. Lembro-me bem do Panão. Mas este era outro, Abílio.
    Era aquele que, no primeiro dia de aulas que tive no Colégio D. João de Castro, depois de ter feito o 5º ano do liceu no D. João III, vendo que eu era novato no Colégio, me perguntou de chofre:

    Ouve lá, pá! Se te disessem que daqui a um minuto ias ficar paralisado de todo o teu lado esquerdo o que fazias?
    Estupefacto ( no D. João III os professores não eram assim tão terra a terra, encolhi nos ombros e disse-lhe:
    - Não sei Sr. Dr.
    Mais estupefacto fiquei com o comentário dele:
    - Bem me parecia que eras burro. Então não mudavas logo os orgãos genitais para o lado direito?

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