quarta-feira, 27 de outubro de 2010

RECORDAÇÕES DA CASERNA









O Major Ramires acumulava com a sua qualidade de engenheiro militar a de sócio duma empresa de construção civil. Detestava andar fardado, mas, naquele dia, tinha que se uniformizar por causa de uma cerimónia importante a que ia presidir no quartel, ao meio dia.

Como de costume, manhã cedo e ainda à paisana, despachou o expediente no escritório e por volta das 11 horas, encafuou-se a custo na exígua casa de banho anexa ao seu gabinete, para trocar de roupa. Em cima da sanita, abriu a maleta onde trazia a farda, despiu a roupa civil e foi-se ataviando com o fardamento. Mirou-se no diminuto espelho que pouco mais reflectia do que o seu rosto, fechou o colarinho da camisa esverdeada, ajeitou o nó da gravata verde azeitona, abotoou o blusão, alisou o cabelo à escovinha e pôs a boina castanha.

Saiu a correr, pelas traseiras, meteu-se, apressado, no seu carro estacionado no pátio do escritório e arrancou em direcção ao quartel.

Chegou à parada do quartel às 12 horas em ponto, onde já se encontrava formado o Batalhão, à sua espera. O Capitão, seu interino, ao ver chegar o carro, mandou tocar o clarim para as honras militares ao Major Ramires que, entretanto, saiu da viatura e estugou o passo em direcção à formatura.

Os soldados perfilaram-se em sentido, ergueram as armas ao ombro e entre soluços abafados e depois incontidos, rebentaram em estrepitosas gargalhadas, perante o pasmo do Major, incrédulo por tamanho acto de indisciplina e inusitada falta de aprumo militar.

Foi então que o Major Ramires reparou no que tinha acontecido.

A pressa e o receio de se atrasar para a cerimónia, o raio do espelho do escritório ser tão pequeno que não deu para se ver de corpo inteiro e a sua proverbial distracção, estiveram na origem de se ter apresentado impecavelmente uniformizado apenas da cintura para cima. Dali para baixo, só trazia cuecas brancas de meia perna, sapatos e peúgas.

Estas, afiveladas por uma fina liga elástica à borda das cuecas...

Rui Felício


20 comentários:

  1. Vá lá, não se esquceu de tudo. Para mais ainda foi sentado no carro sem notar... O capitão que o viu sair do carro, também devia ser muito distraído ou brincalhão, aproveitando a distração pois nem que fosse um gritozinho. Isto acontece cada uma, que só vista ou contada desta maneira. Fartei-me de rir.

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  2. Este Ramires deveria ser uma boa peça.
    Até poderia ser apontado como...O cumulo da distração - Passar revista às tropas em cuecas-.

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  3. Será que ele não fez de propósito?...
    Não me admirava! Conheci algumas espécies na tropa que eram meninos para fazerem isso de propósito...

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  4. as peugas afiveladas à borda das cuecas...entusiasmaram-me de que maneira!!!
    Que figura com aprumo tão sexy...
    As tuas peripécias militares contadas ao teu
    jeito jocoso tão do nosso agrado.

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  5. Episódio simples, bem contado e dos que dá gôsto ler!
    Mas olha que este Major Ramires foi um cavaleiro de nível internacional (Hipismo) e não me consta que alguma vez fosse de cuecas montado no cavalo!
    Ou não será o mesmo?

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  6. Agora é que eu percebi onde é que o Tó Ferrão foi buscar a ideia de se "encuecar"...

    Felício, mais um texto, mais uma história, mais um naco de boa prosa que muito me divertiu.
    Abraço.

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  7. Amigo Rafael,

    Não, o Major Ramires não é o tal cavaleiro que ganhou uma medalha nos Jogos Olimpicos, em Hipismo.

    Esse, o Vasco Ramires, também ele militar, é o filho do Engº Ramires, à data deste episódio, com a patente de Major.

    Conheci bem qualquer dos dois.

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  8. Um texto divertido. Imagino os "marmanjões" a rirem-se na paráda. Desconfio que este Major, nunca mais foi capaz de dar voz de comando. E aquela das ligas não lembra ao diabo.Eu julgo que foi o Rui, com a sua mente "perversa", que quis pôrr mais um pouco de picante neste episódio.Hilariante.
    Abraço

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  9. Estás enganado Quito! O Major Ramires( Mais tarde Coronel ), que eu conheci bem, usava mesmo habitualmente essas ligas, segundo ele me contou, para evitar que as meias lhe descaissem. Outros tempos...

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  10. Ehheheh...aquele quartel parecia o "Moulin Rouge " ...

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  11. A história, numa primeira abordagem, pode parecer estranha. Pode parecer invenção. Mas não é...
    O Quartel onde isto se passou foi no Quartel de Engenharia de Tancos, talvez em meados dos anos setenta...
    A empresa de construção que ali refiro era uma empresa de um rio meu, sediada no Entroncamento e com escritório em Lisboa.
    O Moulin Rouge tem semelhanças ( bem lembrado ). Fico a pensar que talvez devesse ter posto os soldados a dançar can-can...

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  12. Amigo Chico Torreira,
    O Capitão que mandou tocar o clarim, quando o fez ainda não tinha visto o Major em trajes menores. Deu a ordem quando viu chegar o carro, antes do Major sair dele, como resulta do texto.
    O que é estranho de facto é que o Major Ramires não se tenha apercebido dos seus preparos enquanto guiava o carro.
    Mas quem lhe conheceu a sua proverbial distracção, compreende que era um homem que andava mais na Lua que na Terra.

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  13. Não conheci a personagem,mas reconheci o cenário.
    Foi lá que me tornei "especialista" em Minas e Armadilhas...
    Um dia conto-vos uma história bonita;de quando a EPE foi à falência!!!
    Um abraço.

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  14. Rui Lucas
    Pois venha de lá essa história...
    Não te esqueças da rota do "NORTON", amanhã. Estão lá uns galifões à espera de beber a poncha ...

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  15. Quantos somos, quantos somos, perguntarão o Carlos Viana e a Olinda!
    Da Rua Infante Santo vão dois para terminar a semana da desbunda em beleza e que já vinha da anterior...
    Penso que vou não sei qual é o desafio ou peleja!

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  16. Quantos?
    Não interessa.Quem vier que venha por bem.
    Na hora marcada,lá estarei no Samabaia,maila minha mólha e maila a prometida poncha.
    Até amanhã.
    Um abraço.

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  17. Lá estarei, de taco afiado.
    Prometeste porrada, cumpre!
    Quanto à poncha, não me deixarei enganar. Só a provarei depois da disputa.
    Isto promete...
    Até amanhã.
    Abraço.

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