sexta-feira, 8 de outubro de 2010

CHAMEM-ME PESSIMISTA...

Com as profundas modificações que a Revolução Francesa trouxe, a partir de meados do séc. XIX o povo passou a ser o soberano, quando antes vivia em completa subserviência.
Com todas as vantagens daí advenientes, de liberdade, de melhoria de condições de vida, de dignidade, mas também com as inerentes responsabilidades.

Os cidadãos passaram a participar, embora parcialmente, no usufruto da riqueza produzida, que antes era concentrada integralmente nas mãos dos soberanos feudais, mas, em contrapartida, passaram a ser responsabilizados, através dos impostos, pela dívida soberana ( no fundo as dividas contraídas pelo Estado perante os credores nacionais e internacionais ).

Quando o Estado contrai empréstimos para financiar as suas próprias despesas de funcionamento, aumenta a dívida não reprodutiva, acrescida de elevados juros, que depois financia através de aumentos de impostos que os cidadãos pagam.
Este é o Estado que gasta mais do que deve, tendo em conta a colecta normal, aumentando-a para pagar a dívida contraída para fazer face ao excesso de despesa.

O Estado saudável é aquele que sustenta as suas próprias despesas com os impostos cobrados, se orçamentados com equidade e justiça, e que apenas contrai empréstimos para financiar projectos estruturais de desenvolvimento que a médio prazo aumentem a riqueza e possibilitem o pagamento da divida reprodutiva. Nunca o deveria fazer, ao contrário do que se tem visto em toda a Europa, para acorrer ao excesso de despesa.
No mundo ocidental, estas regras de equilíbrio foram sendo paulatina e crescentemente subvertidas assistindo-se hoje a uma escalada galopante de que não se descortina solução.
Fruto da ganância e da especulação desenfreada, em 2008 o sistema financeiro entrou em pânico e estabelecimentos bancários abriram falência um pouco por todo o mundo. Para não se repetir o cenário da grande crise de 1929, o governo dos EUA mobilizou recursos, transferindo encargos para os futuros contribuintes. Os governos europeus, de forma análoga, afectaram em 2008 e 2009 enormes recursos orçamentais aos bancos em dificuldades para estes evitarem a sua falência.

Estranho! Os impostos dos cidadãos a cobrirem o descalabro capitalista!

A chamada dívida soberana é uma dívida que as gerações actuais estão a transmitir às gerações futuras, que acabam sempre por pagá-la.
Por muito que custe a uma sociedade que se habituou a uma suficiente segurança de vida, é impossível manter o actual modelo social se os Estados não arrepiarem caminho. Mais cedo que tarde, essa redefinição vai ter de ser feita. Aliás, já começou. Vejam-se os casos do aumento da idade da reforma, dos cortes de subsídios sociais, de abolição de incentivos fiscais, etc., etc...

Não que isso fosse uma fatalidade. Só sucede porque os governos ocidentais deixaram que o sistema financeiro se sobrepusesse às boas práticas políticas, comandando-as.
Esses, os especuladores, que são quem justamente devia sofrer as consequências da sua ganância, serão aqueles que, protegidos pela almofada dos lucros ilegitimamente amealhados, acabarão por passar incólumes pela desgraça que vai penalizar os que não têm culpa.

Não nos iludamos! Com a condenação dos culpados ou não, o sistema social que o fim da II Guerra Mundial nos trouxe vai entrar em falência...

Rui Felício

17 comentários:

  1. Não és péssimista Felício, és realista. A tua apreciação é bem clara e sabedora. Naturalmente que vamos ouvindo até à exaustão, que a "culpa" do estado caótico em que se ncontra o País é da conjuntura internacional. Sabe-se que será, em parte. Mas o desvario interno em que vivemos há muitos anos a esta parte, é também responsável pelo drama que se vai vivendo. O futuro não é risonho. Ouvir alguns intelectuais da nossa praça assusta. Ontem, na "Quadratura do Circulo" afirmava-se que a nossa realidade está escamoteada aos portugueses e que estamos na iminência do colapso total.
    O país é espelho de muita familias. Viver muito acima das suas posses. Os bancos aliciaram as pessoas com a oferta de produtos. Ouve uma bebedeira de consumo, um desnorte total. Lamento muito o País que vamos deixar a filhos e netos. A incompetência de uma geração ...
    Um abraço e bom fim-de-semana ..

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  2. E não tenho dúvidas nenhumas, quando o estado providência tiver que declarar falência, a imediata consequência vai-se sentir no SNS; preparemo-nos para um "pacote básico" de cuidados gratuitos e todo o resto pago pelos utentes.
    Rui, estou inteiramente de acordo contigo.

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  3. Embora com imperfeições, o Serviço Nacional de Saúde, a par do alargamento da Educação a todos os extractos sociais, foi o Serviço mais eficiente que Portugal montou depois do 25 de Abril.
    Mau grado todas as criticas que alguns lhe fazem, talvez pelo velho hábito de se criticar tipico dos portugueses.
    Alguns desses não viveram no regime anterior ou já não se lembram que, naqueles tempos, só uma pequenissima parte da população tinha acessoaos cuidados de saude gratuitos e a corpos clinicos interessados e competentes.

    Infelizmente, creio, como tu dizes, que o SNS e a Educação Escolar serão as primeiras vítimas, porque os cortes nesses serviços, pela sua dimensão, são os que maior arrefecimento da despesa conseguem...

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  4. A Saúde já gasta cerca de 10% do PIB. Os economistas da saúde já andam a avisar que tem que ser dada uma resposta urgente à questão dos gastos com saúde; isto embora já esteja em 30% a despesa privada com a saúde.

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  5. Assim é, Rui.O dinheiro a comandar a vida?! Não pode ser.
    Uma reflexão clara sobre a governação que, tal como em nossas casas, não deveria gastar mais do que aquilo que ganha!
    Tenhamos esperança e vamos acreditar que esta tempestade haverá de passar.

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  6. Realmente deve ser um "pacote básico" mt reduzido, pq o hoje o que conta são os números para estatísticas, é o dinheiro.Há doentes cujos tratamentos são tão honorosos, que são pura e simplesmente impedidos de serem assistidos em Hospitais que não sejam da área e mt mt mais.
    A boa governação deve começar dentro das instituições,com administradores, em nº q.b, e que lhes seja exigido responsabilidades perante erros que cometam.Há tanta impunidade...tanto dinheiro mal gasto e tanto administrador.
    A tempestade vai passar sim, temos de acreditar, mas mts vezes penso como será o futuro de nossos filhos e netos,o qt já está individado.
    Não Rui Felicio,o Srºnão é péssimista e gostei mt de o ler.Estamos mesmo falidos.
    Cristina Antão

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  7. De falência em falência ... até á falência extrema = a pobreza,a sistema de saúde a sair caro para o utente ...ie, população mais doente,
    e perguntaremos:
    Habitação,Saude,Educação,....onde estão???
    A tua elucidativa reflexão sobre o estado da
    Nação... crise que, cada vez mais, nos cria preocupação e não só é de agora!!!

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  8. Reflexão pessimista mas realista.
    Àqueles que vinham chamando à atenção para estes problemas chamaram loucos, alarmistas, profetas da desgraça...

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  9. Ruizito, eu destas coisas de dinheiros não percebo nada, porque não é nada erótico. Mas tenho a certeza que o meu amigo Pedro Laranjeira, jornalista e dono da revista online Free Zone, iria gostar de publicar lá este teu texto.
    Deixas-me propor-lhe isso?

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  10. Parabéns, Rui, pelo texto e também pelo aniversário.
    Beijinho

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  11. Absolutamente de acordo com este artigo pois a culpa é toda dos políticos. O governo canadiano em 2007 viu a crise que estava para vir e atuou logo. Criou parâmetros aos bancos nessa altura e depois foi-os acompanhando, como diziam. Nenhum banco teve necessidade de ajudas do erário público, que é de todos nós. Isto não foi por ser um país rico mas de fato os políticos "desta vez" fizeram o seu trabalho, o que demonstra que o podem fazer. Por outro lado um ministro provincial, que é prof. Universitário em economia, demitiu-se porque as pessoas cada vez exigem mais condições e não aceitam aumentos de impostos. Este não era político... Ainda hoje um ex-político que foi presidente de um partido principal, disse que se um político perguntar o que as pessoas querem saber sobre um assunto, todo o mundo responde: a "verdade". Na realidade, se ele disser a verdade, no dia seguinte é melhor pedir a demissão. Também apareceu outra pessoa a dizer que somos governados por políticos que só resolvem problemas do amanhã, o que foi exposto neste artigo. Só que os países andam a necessitar de estadistas que pensem como tornar o país produtivo e rico dentro de vinte anos, o que lhe faria perder as próximas eleições. É certo que se fizerem o que devem, muita gente vai sofrer. No entanto é derivado à incapacidade deles até esta data, que estamos metidos numa engrenagem sem fim pois não têm capacidade para expôr os assuntos de forma a não perderem o "tacho". Artigo pessimista, não; realidade, sim.
    Neste momento há por estes lados uma certa esperança que até pode ser seguido noutros países, pois está-se a formar um movimento de ex-políticos de todos os lados. Tem a finalidade de exporem os fatos concretos às pessoas e lutarem contra a corrução* para que o político volte a ser credível.
    Notei a alusão do Rui Pato a 10% do PIB para a saúde pública. No resto do Canada, não sei mas no Quebec a saúde pública leva cerca de 46% do PIB. Isto é um dado de que falam os responsáveis da saúde constantemente. Ora se aí é só 10% do PIB para esses serviços e se todos se queixam da forma como o fazem sobre o resto, (90%) que não funciona, deve haver problemas muito graves.

    Bem dizia o Rui Felício noutro artigo: este "corrução" sô-a-me tão mal... até parece corrosão – Prefiro: corrupção.

    Mais uma vez me alarguei mas há muitas pessoas que não aparecem mas lêm.

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  12. Bem dito (escrito)é a realidade nua e crua.
    tonito.

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  13. São Rosas1 Sabes que sim, nem precisas de o pedir...

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. A reflexão que o Rui Felício aqui nos traz é soberba. Num curto espaço, consegue fazer a história da evolução económica, na Europa, a partir dos meados do Séc XIX.
    O certo é que a evolução na Europa não foi acompanhada, em Portugal, a partir do fim da II Grande Guerra. O Estado Social ficou adiado, na Península Ibérica, pelos ditadores Franco e Salazar.
    Enquanto no resto da Europa, nuns países mais noutros menos, crescia a ideia que o "rico" só pode ser rico se não tiver que dormir com o pesadelo de um vizinho esfomeado, por cá tudo estagnou. O Estado Novo se encarregou da estagnação, fazendo retardar, durante quase três décadas, o reconhecimento do óbvio.
    Finalmente, em 1974, Portugal acordou para o futuro.
    Hoje, mais três décadas decorridas, tenta-se recuperar o passado.
    Rui Felício, se te sentes pessimista, és um homem cheio de sorte.
    Eu sinto-me derrotista!

    Abraço.

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